Com esta celebração, a Igreja pretende colocar o novo ano, com todas as preocupações e cuidados, problemas e interrogações que ele encerra, sob a protecção maternal de Maria e quer também lembrar a importância da missão que Ela desempenha na História da Salvação, como Mãe do Salvador.
A Liturgia celebra, no primeiro dia do ano civil, a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus. Com esta celebração, a Igreja pretende colocar o novo ano, com todas as preocupações e cuidados, problemas e interrogações que ele encerra, sob a protecção maternal de Maria e quer também lembrar a importância da missão que Ela desempenha na História da Salvação, como Mãe do Salvador. A Maternidade de Maria, conforme lemos na Constituição Dogmática Lumen Gentium, “perdura na economia da graça sem interrupção, desde o consentimento que fielmente deu na Anunciação e que manteve inabalável junto da cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De facto, depois de elevada ao Céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna” (LG 62). É, sem dúvida, na Maternidade divina que se encontra o fundamento da especial relação de Maria com Cristo e da sua presença na economia da salvação. “Efectivamente, a Virgem Maria, que na Anunciação do Anjo recebeu o Verbo no coração e no seio, e deu ao mundo a Vida, é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus Redentor. Remida dum modo mais sublime, em atenção aos méritos de Seu Filho, e unida a Ele por um vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a excelsa missão e dignidade de Mãe de Deus Filho.” Saudámo-la como membro eminente e inteiramente singular da Igreja, seu tipo e exemplar perfeitíssimo na fé e na caridade. A Igreja católica, ensinada pelo Espírito Santo, consagra-lhe, como a mãe amantíssima, filial afecto de piedade (cf. LG 53).
E Maria não frustra as expectativas do homem contemporâneo. Pela sua condição de “discípula perfeita de Cristo” e de mulher que se realizou perfeitamente como pessoa, ela é uma fonte perene de fecundas inspirações de vida, e oferece aos homens a vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação, da alegria sobre o tédio e da vida sobre a morte” (MC 57).
Mais: Jean Guiton escreveu que “a explicação teológica de Maria será um factor de união da Igreja do século XXI” e que “não será possível realizar nenhuma unidade sem ela” porque ela “é a pedra angular, graças à qual se encontram reunidas todas as aspirações da humanidade”. É verdade que “o nosso Mediador é só um…Jesus Cristo: Mas a função maternal de Maria em relação aos homens de modo algum ofusca ou diminui esta única mediação de Cristo; antes manifesta a sua eficácia” (LG 60).
Caros fiéis, estamos ainda a celebrar o nascimento de Jesus Cristo que foi anunciado pelos profetas como o Príncipe da Paz. “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”. No entanto, esta paz que Cristo nos veio trazer e nos deu não existe no interior de muitas pessoas. Não existe no seio de muitas famílias nem no seio da sociedade. A Igreja, desde há quarenta e três anos a esta parte, preocupada com a falta de paz, celebra, no primeiro dia do ano, o Dia Mundial da Paz para nos dizer que só Cristo é a Paz e que n’Ele todos somos irmãos.
Assim, o Santo Padre Bento XVI escolheu para este Dia: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. Colocando a criação como “o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus” ele afirma que “a sua salvaguarda se torna hoje essencial para a convivência pacífica da humanidade”. Na verdade, se já são muitos os “perigos que ameaçam a paz e o autêntico desenvolvimento humano integral, devido à desumanidade do homem para com o seu semelhante … não são menos preocupantes os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu.” E acrescenta: embora “entre as causas da actual crise ecológica” esteja a “responsabilidade histórica dos países industrializados”, também os países menos desenvolvidos e emergentes devem assumir as suas “próprias responsabilidades” porque o “dever de adoptar gradualmente medidas e políticas ambientais eficazes pertence a todos”.
O Santo Padre alerta ainda para um conjunto de “problemáticas que derivam de fenómenos como as alterações climatéricas, a desertificação, a deterioração e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento de calamidades naturais, a desflorestação das áreas equatoriais e tropicais”. Isto provoca “o fenómeno crescente dos chamados «prófugos ambientais»” que por causa da degradação do ambiente onde vivem, se vêem obrigados a abandoná-lo com prejuízo do acesso aos recursos naturais e vendo-se na urgência de “enfrentar os perigos e as incógnitas de uma deslocação forçada”. Estas situações, refere, “têm um impacto profundo no exercício dos direitos humanos, como, por exemplo, o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao desenvolvimento”.
Perante a necessidade de fomentar uma verdadeira consciência ecológica, já o Santo Padre João Paulo II falava da necessidade de salvaguardar as condições morais de uma autêntica ecologia humana, social e cultural, com respostas novas capazes de inventar novos relacionamentos com a natureza, novos estilos e cultura de vida.
“O ser humano, denuncia Bento XVI, deixou-se dominar pelo egoísmo (…). No relacionamento com a criação, comportou-se como explorador pretendendo exercer um domínio absoluto sobre ela (…). E quando o homem, em vez de desempenhar a sua função de colaborador de Deus, se coloca no lugar de Deus, acaba por provocar a rebelião da natureza”.
É evidente que toda esta problemática reclama que se tomem medidas urgentes. Como sabemos, a Cimeira de Copenhaga sobre o clima não permitiu que os governantes do mundo se entendessem sobre as verdadeiras medidas a tomar. No entanto, compete à “comunidade internacional e aos governos nacionais dar os justos sinais para contrastar de modo eficaz, no uso do ambiente, as modalidades que resultem danosas para o mesmo”. Torna-se, pois, necessário agir: por um lado, “no respeito de normas bem definidas mesmo do ponto de vista jurídico e económico e, por outro, tendo em conta a solidariedade devida a quantos habitam nas regiões mais pobres da terra e às gerações futuras”.
Citando Paulo VI, Bento XVI acentua a necessidade de uma leal solidariedade entre as gerações. “Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício, mas também um dever”. Mas não basta. Para além duma leal solidariedade entre as gerações, a Mensagem Papal fala também da necessidade de “reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração”. E faz votos para que se adopte “um modelo de desenvolvimento fundado na centralidade do ser humano, na promoção e partilha do bem comum, na responsabilidade, na consciência da necessidade de mudar os estilos de vida e na prudência, virtude que indica as acções que se devem realizar hoje na previsão do que poderá suceder amanhã”.
A «nova solidariedade» que João Paulo II propôs e a «solidariedade global» de que Bento XVI fala tornam presente a “forte relação que existe entre a luta contra a degradação ambiental e a promoção do desenvolvimento humano integral. Trata-se de uma dinâmica imprescindível, já que «o desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade».
Em seguida, Bento XVI, refere-se às muitas “oportunidades científicas” e aos “potenciais percursos inovadores, mediante os quais é possível fornecer soluções satisfatórias e respeitadoras da relação entre o homem e o ambiente”, como sejam, “encorajar as pesquisas que visam identificar as modalidades mais eficazes para explorar a grande potencialidade da energia solar”; prestar igual atenção à questão “da água e ao sistema hidrogeológico global, cujo ciclo se reveste de primária importância para a vida na terra, mas está fortemente ameaçado na sua estabilidade pelas alterações climáticas. De igual modo se deve procurar apropriadas estratégias de desenvolvimento rural centradas nos pequenos cultivadores e nas suas famílias, sendo necessário também elaborar políticas idóneas para a gestão das florestas, o tratamento do lixo, a valorização das sinergias existentes no contraste às alterações climáticas e na luta contra a pobreza. (…) Enfim, é necessário sair da lógica de mero consumo para promover formas de produção agrícola e industrial que respeitem a ordem da criação e satisfaçam as necessidades primárias de todos”.
Em conclusão: o Papa defende que “proteger o ambiente natural para construir um mundo de paz é dever de toda a pessoa”; e que no combate à actual crise ecológica há “uma oportunidade providencial para entregar às novas gerações a perspectiva de um futuro melhor para todos”.
Fomentemos também nós a paz preservando a criação.
Amemos, respeitemos e contemplemos a natureza, verdadeiro livro aberto que nos fala do poder e da beleza de Deus e da grandeza do Seu amor por nós, homens e mulheres de todos os tempos.
Feliz Ano para todos!
+Antonino Dias
Bispo de Portalegre – Castelo Branco