Ave, ó cheia de graça, ó bendita entre todas as mulheres, ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria! Desde os primórdios da nacionalidade somos terra de Santa Maria, a quem veneramos e honramos com ternura e confiança! Em Vila Viçosa ergue-se o seu solar, o Solar da Imaculada Conceição, o Solar da Rainha e “Padroeira de nossos Reinos e Senhorios”, como outrora proclamaram os representantes da Nação ao seu mais alto nível político e cultural. Em Fátima brilha e rebrilha o Altar do Mundo, com Maria a congregar gente de toda a parte na alegria do encontro com Cristo.
Maria sempre esteve presente no coração dos portugueses, de toda a Igreja, de todo o mundo. Quão belo é constatar, por esse mundo adentro, os sinais do amor e devoção à Virgem que, no decorrer dos séculos, a fé cristã erigiu e divulgou! E tudo foi acontecendo graças à fé, à piedade e ação missionária de pessoas e famílias, de comunidades diocesanas e paroquiais, de institutos de vida consagrada e de gente de boa vontade, agradecida, com dinâmica, posses e garra. Grandiosos santuários e templos com grande poder de atração, numerosas igrejas e capelas, ermidas e oratórios, memoriais e monumentos à Virgem constituem uma verdadeira ‘geografia’ da fé onde o Povo de Deus ora vai e celebra ora peregrina com amor e devoção a consolidar a sua fé e a pedir a intercessão daquela que é feliz porque acreditou (cf.RM28). E Maria, na sua missão universal de Mãe extremosa, a todos atrai e encanta, de todos se faz próxima, a todos socorre e a todos aponta o seu Filho Jesus como o caminho, a verdade e a vida. Venerada, imitada e aclamada com inúmeras invocações, a sua iconografia traduz diferentes gostos, estilos e roupagens. É uma devoção que nasce da fé, faz reconhecer a grandeza da Mãe de Deus e incita a cultivar as suas virtudes. Vivendo na terra como todas as pessoas, com preocupações, cuidados e trabalhos, dedicou-se totalmente ao mistério da redenção dos homens, sempre unida a seu Filho Jesus, até à Cruz, como sua Mãe e sua fiel discípula. Após a ascensão de Cristo ao Céu e esperando a Vinda do Espírito Santo, “Todos perseveravam unânimes na oração, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus” (Atos 1,14). Depois de elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha universal, continua a interceder por nós, como advogada e auxiliadora, com amor de mãe, atraindo todos os fiéis ao seu Filho, o único nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos (cf. At 4,12). Como figura e membro eminente da Igreja na ordem da fé e da caridade, ela convida cada cristão e toda a Igreja a percorrer o caminho da união com Jesus em verdadeira relação pessoal com Ele. É mãe da Igreja e a Igreja também é mãe na medida em que, como Maria, ouve a Palavra de Deus, a guarda em seu coração e, meditando-a, se deixa transformar por ela, acolhendo Jesus no seu seio para o oferecer com alegria a todo o mundo, ensinando, evangelizando, propondo, sem proselitismos nem controlo, em liberdade.
No documento final da última assembleia do Sínodo lemos que, na Virgem Maria, “vemos resplandecer os traços de uma Igreja sinodal, missionária e misericordiosa”, pois ela é, de facto, “a figura da Igreja que escuta, reza, medita, dialoga, acompanha, discerne, decide e age. Dela aprendemos a arte da escuta, a atenção à vontade de Deus, a obediência à sua palavra, a capacidade de acolher as necessidades dos pobres, a coragem de pôr-se a caminho, o amor que ajuda, o canto de louvor e a exultação do Espírito” (Doc. Sin. 29).
Como escreve Timothy Radcliffe, ‘temos um profundo instinto para manter o controlo, e é por isso que o Sínodo é temido por tantos’. E exemplifica com um casal de falcões. Depois de gerarem, criarem e cuidarem, quando os seus filhos estão prontos para voar, como que os expulsam do conforto do ninho para que arrisquem, vivendo e atuando como convém e lhes compete, em liberdade. Igualmente torna presente o que aconteceu nos primórdios da Igreja. No Pentecostes, “o Espírito Santo desceu poderosamente sobre os discípulos, que foram enviados para os confins da Terra. No entanto, em vez disso, estabeleceram-se em Jerusalém e não quiseram partir. Foi necessária a perseguição para os tirar do ninho e os expulsar de Jerusalém”.
O mandato de Jesus, porém, continua atual, mas a tendência para a acomodação e o controle batem à porta com impertinência de mosca, persistem. A evangelização implica viver, testemunhar, ensinar, cuidar e estimular que os outros voem, saindo do ninho, do zona de conforto e partam com alegria e esperança movidos pelos ventos do Espírito.
“Não há maior liberdade do que a de se deixar conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e controlar tudo e permitindo que Ele nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde Ele quiser” (EG280). Isto, porém, pode causar alguma confusão, afirma Francisco, mas nada de estranhar. O Espírito Santo também “pairou sobre o caos no início, e a criação veio à existência. Não devemos temer um pouco de confusão, nem mesmo o caos, se quisermos estar abertos à renovação do Espírito”.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 06-12-2024.