O Senhor não te faltará!
Estamos a viver o tempo do Espírito Santo. Ele habita na Igreja e no coração dos fiéis. Está em ti, está em mim, em todos nós. Ele é a nossa força e conduz a Igreja ao conhecimento da verdade. Une-a na comunhão e no ministério. Enriquece-a, dirige-a e embeleza-a com os seus frutos. Fá-la rejuvenescer com a força do Evangelho, renova-a continuamente e há de aperfeiçoá-la, consumá-la, no fim dos tempos.
Enquanto a Igreja está no tempo, e para que a edificação do Corpo de Cristo aconteça, o Espírito Santo distribui diversos dons hierárquicos e carismáticos a todos os batizados, chamando-os a ser, cada qual a seu modo, ativos e corresponsáveis (cf. LG4). Na Carta aos Efésios, por exemplo, podemos ler que “A cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom de Cristo… A uns, Ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos santos, para o desempenho do ministério, para a edificação do corpo de Cristo, até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4, 7, 11-13). E assim, com a força do Espírito que vem em auxílio da fraqueza humana, se vai construindo a nossa história por entre fracassos e êxitos, avanços e atrasos, contradições e convergências.
Embora diversos, estes ministérios que estão presentes e operam na Igreja são uma participação no mesmo ministério de Jesus Cristo, o bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10,11). E disso não nos podemos esquecer: ninguém está ou age por conta própria, mas em nome de Cristo e da Sua Igreja, em comunhão com o Bispo, com o presbitério, com a comunidade eclesial.
Hoje e aqui, falamos do ministério ordenado, da ordenação presbiteral do Diácono André Filipe. Daquele ministério que procede do sacramento da Ordem e que o Senhor Jesus continua a confiar aos pastores do seu povo. Quem é ordenado é constituído numa missão específica à qual a Sagrada Escritura chama diaconia, isto é, serviço, ministério. E os ministérios ordenados, “antes de serem para aqueles que os recebem, são uma imensa graça para a vida e para a missão da Igreja inteira. Exprimem e realizam uma participação no sacerdócio de Jesus Cristo que se diferencia, não só em grau, mas também em essência, da participação dada no Batismo a todos os fiéis”. Como sabemos, o sacerdócio ministerial “é essencialmente completado no sacerdócio real de todos os fiéis, e para ele ordenado”. Isso nos lembra a Exortação Christifideles Laici: “a fim de assegurar e de aumentar a comunhão na Igreja, em especial no âmbito dos diversos e complementares ministérios, os pastores devem reconhecer que o seu ministério é radicalmente ordenado para o serviço de todo o povo de Deus (cf. Heb 5,1) e os fiéis leigos, pela sua parte, devem reconhecer que o sacerdócio ministerial é absolutamente necessário para a sua vida e para a sua participação na missão da Igreja (cf. ChL,22).
O ministério ordenado não é um ministério a exercer como quem, tendo-se como sabido, decide e manda. Não, não é dessa forma. E se aqui ou ali acontece, não o podemos louvar nem aplaudir. Se é verdade que a Igreja “não funciona segundo a lógica duma democracia formal, de uma votação que dá origem a uma maioria e a uma oposição, também é verdade que não funciona numa lógica segundo a qual um decide e os outros executam”. O caminho a seguir é muito mais rico e complexo, é o do “discernimento comunitário”, é colegial, é sinodal, pede humildade e respeito pelo outro que também pensa e deseja participar, em comunhão, construindo a unidade da comunidade eclesial na harmonia das diferentes vocações, carismas e serviços. É esse o caminho, um caminho exigente, inspirado e iluminado, pelo antigo princípio eclesial segundo o qual “sobre aquilo que a todos diz respeito, todos devem ser escutados (cf. Enzo Bianchi, no V Simpósio do Clero de Portugal, Ed. Paulinas, 2007, pág. 72).
Joseph Ratzinger afirmava que “O sacerdócio do Novo Testamento está no seguimento do Senhor que lava os pés: a sua grandeza só pode consistir na sua humildade. Grandeza e baixeza identificam-se, desde que Cristo, sendo o maior Se fez o mais pequeno; desde que Ele, o primeiro, assumiu o último lugar. Ser sacerdote significa entrar nesta comunidade do tornar-se pequenino e, assim, participar na glória comum da redenção” (Joseph Ratzinger, Caminhar juntos na fé, Ed. AO, Braga, 2005, pág. 172).
Este seguimento de Cristo pelo caminho do sacerdócio exige fazer opções nem sempre fáceis de viver. As exigências evangélicas têm cariz radical aos olhos do mundo, por vezes difícil de seguir, mas não impossível. Cristo está connosco, Ele é a nossa força. Chamou-nos e continua a chamar-nos. Fortaleceu-nos ao longo do discernimento vocacional e continua a fortalecer-nos com a Sua graça. Ungiu-nos, tornou-nos participantes da Sua missão e consagração pelo sacramento da Ordem. Enviou-nos até aos confins da terra para ensinar, santificar e congregar o Seu povo, em Seu nome, prometendo estar connosco. Confiou, continua a confiar em nós. Instituiu o sacerdócio da Nova Aliança como expressão perene de uma memória da Sua paixão, morte e ressurreição e chamou-nos, como amigos, para essa missão.
É na fidelidade a este ato originário que se joga, em primeiro lugar, a nossa identidade sacerdotal. O cenáculo “permanece na história do nosso sacerdócio como o lugar fundador de um ministério que fascina e que envolve (…) é o espaço de uma vocação que atingiu cada um de nós num momento indelével da própria vida pessoal, envolvendo-nos num caminho de seguimento que dura toda a vida (…). A contemporaneidade com Jesus, que pede “Fazei isto em memória de Mim”, não conhece ocaso. Fazer memória não é constituir uma simples recordação. Não vivemos a nostalgia dos tempos passados. Somos filhos de uma promessa que sabe olhar para o futuro na certeza de que Cristo, Sumo e Eterno sacerdote, é o sim definitivo a todas as promessas feitas por Deus ao longo da história.
O mistério da Eucaristia “permanece como a origem, o centro e o fim de toda a vida sacerdotal. A oferta que o Filho faz de si ao Pai permanece o paradigma sobre o qual conjugar a vida do sacerdócio cristão” (cf. D. Rino Fisichella, V Simpósio do Clero, Ed. Paulinas, 2007, págs 42-44).
No entanto, se a identificação de Cristo com o Sumo e Eterno Sacerdote “não deixa espaço a equívocos sobre a identidade originária e original do nosso sacerdócio”, esta identidade também se define pela nossa união com Deus e pela nossa união com os homens: “sem uma vida de intimidade com Deus não é possível a autêntica partilha com os homens. Aqui não se trata de procurar o equilíbrio, aliás sempre precário, entre as duas vertentes da questão; é apenas na medida em que nos encontramos em comunhão com Cristo que podemos partilhar a sua solidariedade com os homens, e não vice-versa. Para o sacerdote, o primado da graça condu-lo inevitavelmente a dar o primeiro lugar a Deus, sempre, em toda a parte, apesar de tudo, sob pena de não ser possível a sua genuína representatividade junto dos homens”, nem tampouco ser possível representar os homens junto de Deus.
S. Paulo escreveu na Carta aos Romanos que o sacerdote deve “tornar-se agradável a Deus e aprovado pelos homens (Rom 14,18). Isto é possível na medida em que o sacerdote vive com fidelidade a sua vocação pois “não poderá existir partilha significativa com os homens e com os seus projetos se o sacerdote não tiver uma intensa vida de fé”.
Sendo já homem do mistério pela resposta livre e consciente ao chamamento que o Senhor lhe fez, a própria celebração da liturgia também “impõe ao sacerdote que este signifique para os homens o mistério do seu estar na presença de Deus. No fim de contas, é esta a promessa que o sacerdote realiza ao colocar as suas mãos nas do bispo: “Queres celebrar com devoção e fidelidade os mistérios de Cristo segundo a tradição da Igreja, particularmente no sacrifício eucarístico e no sacramento da reconciliação, para louvor de Deus e para santificação do povo cristão?” A esta interrogação, a resposta é simples – “Sim, quero” -, mas compromete a vida num testemunho coerente” no ser, no estar e no agir entre os homens (cf. Idem).
A nossa fidelidade e o nosso amor a Deus serão avaliados segundo estes critérios, os critérios da nossa coerência e da nossa atitude para com os outros, atitude da qual o Evangelho de hoje nos apresenta um exemplo. O samaritano provou que tinha os mesmo sentimentos de Deus. Teve compaixão, agiu em conformidade, fez o bem sem olhar a quem.
“Então vai e faz o mesmo”, disse Jesus ao doutor da Lei. E esta é sem dúvida a vontade de Deus. Uma vontade que se descobre escutando o próprio coração, como nos refere a primeira leitura. Sim, a vontade de Deus não está acima das nossas forças, não está fora do nosso alcance, não está lá longe no espaço ou do outro lado dos mares. Também não é uma imposição que vem de fora, é uma exigência que nasce do nosso coração. É o próprio Deus que está, que fala na vida da pessoa, que lhe dá força para lhe responder com facilidade. Desde que tiremos tempo para escutar o nosso coração e não confiarmos demasiado nas nossas próprias forças e preconceitos.
Caro amigo André, vais ser ordenado para o sacerdócio, vais entrar na Ordem dos presbíteros. Vais exercer, no que te compete, o sagrado múnus de ensinar, santificar e congregar na unidade, em nome de Cristo Mestre, Sacerdote e Pastor. Alimentado pelos Sacramentos e pela Palavra de Deus, confiante no Senhor que te chamou, “procura crer o que lês, ensinar o que crês e viver o que ensinas”, conformando sempre “a tua vida com o mistério da cruz do Senhor” (Ritual da Ordenação).
Parabéns por este dia.
Conta com a nossa amizade e com a amizade de todo o presbitério e de toda a comunidade diocesana.
O Senhor não te faltará!