Nos anos oitenta e noventa do século passado, publicaram-se muitos estudos sobre os jovens daquela época. Pelos epítetos com que os mimoseavam, o pessimismo reinava. Resta-nos a consolação de saber que ‘o que prova de mais não prova nada’. Amadeo Cencini deu-se ao cuidado de alistar muitos desses epítetos, e qual deles o mais singular…
Quando, em 1994, os estudantes protestavam contra as provas globais no ensino secundário e, mais tarde, contra as propinas universitárias, Vicente Jorge Silva, num editorial do jornal Público, usou a expressão “geração rasca”. Por sua vez, em 2011, a geração a seguir a esta “geração rasca” saiu às ruas para protestar contra as políticas de austeridade e contra tudo o mais que ameaçava um futuro sombrio para tão promissora juventude. O feitiço, porém, virou-se contra o feiticeiro e a favor dos enfeitiçados. Da “geração rasca”, passou-se à “geração à rasca”.
De facto, o mundo juvenil sofre de muita injustiça, com a culpa a morrer solteira e a inação no funeral.
O futuro preocupa os jovens, fá-los andar de cabeça à roda, à rasca. Ninguém fica indiferente perante esta situação que acaba por afetar não só os jovens, mas também as suas famílias e a sociedade. A todos faz sofrer, e muito. Diógenes, filósofo grego, segundo dizem os coca-bichinhos da vida alheia – metediços sem arrependimento! -, vivia num pipo, possivelmente com os protestos do seu amado corpinho. Durante o dia, passeava, não com um cão pela trela ou ao colo, mas com uma lanterna acesa pelas ruas de Atenas. Saturado com o que via e sentia, procurava coisa rara, um bípede que não defendesse apenas o seu egoísmo com malabarismos e mentiras. Não sei o que dele se diria naquele tempo, mas, se Diógenes existisse hoje e andasse por aí, em pleno dia, de lanterna acesa na mão, à procura fosse do que fosse dessa raridade, o mínimo que lhe poderia acontecer era o de ser descartado como alguém que não fechava bem a gaveta e precisava de internamento em instituição de saúde.
Não sei se hoje há alguém a viver em pipos ou toneis, mas em barracas ou por debaixo de pontes, nas ruas, nos átrios, nas estações de metros ou noutros sítios de igual categoria habitacional lá isso existe. Quem acarinhe demasiadamente o seu egoísmo e minta para o defender, também não faltará por aí. É certo que não vemos ninguém a fazer uma novena à padroeira das causas perdidas nem de lanterna acesa na mão à procura do impossível, mas todos sentimos as aflições e o sofrimento dos que procuram quem, por direito e dever, esteja disposto, sem enrolar os papeis nem estender a toalha, a resolver esse e outros problemas tão prementes, mesmo que, para vencer os obstáculos, tenha de ultrapassar a taprobana. A juventude é a idade das opções, não pode permanecer pendurada a ver-se envelhecer sem conseguir tomar decisões, quer no campo profissional e social quer nas noutras áreas ainda mais decisivas que determinam a fisionomia da sua existência. No fim de contas, nesta míngua de condições para que os jovens possam fazer opções, está em jogo a sua vida e o serviço aos outros.
Este mês de maio, na nossa Diocese, dada a dificuldade em responder às tais decisões mais radicais, foi assumido como 'um mês vocacional', embora saibamos que toda a pastoral, toda a formação e espiritualidade devem ser de cariz vocacional. A vocação não é uma mera escolha pragmática, não diz respeito apenas a fazer coisas. Reclama que o que se venha a fazer na vida se faça com significado e orientação. “Em última análise – afirma o Papa Francisco -, é reconhecer o fim para que fui feito, o objetivo da minha passagem por esta terra, o plano do Senhor para a minha vida”. É certo que Deus “não me indicará todos os lugares, tempos e detalhes, que eu posso escolher prudentemente, mas certamente há uma orientação da minha vida que Ele me deve indicar, porque é o meu Criador, o meu oleiro, e eu preciso de escutar a sua voz para me deixar moldar e conduzir por Ele. Então serei o que devo ser, e serei também fiel à minha realidade pessoal. Para isso, cada um não precisa de se inventar, precisa somente de se descobrir e desenvolver à luz da palavra de Deus, tirando para fora o melhor de si mesmo para a glória de Deus e para o bem dos outros (cf. CV256-2577), participando e contribuindo para o bem comum com base nas capacidades que recebeu e no lugar que é o seu. Por isso, dizemos que cada vida é uma vocação, é uma missão, devendo ser olhada e discernida à luz da Palavra de Deus. O que é que Deus quererá de mim?, perguntar-se-á, sobretudo o jovem e a jovem que, de facto, quer encontrar o rumo certo para a sua vida, em resposta livre e com responsabilidade.
Dentro do que nos cabe fazer pela felicidade dos outros, sabendo quanto é importante a ajuda de Deus neste processo interior de descoberta vocacional, rezamos pelas vocações ao matrimónio, ao ministério ordenado, à vida consagrada, religiosa e laical, e à vida laical/ministerial. Anunciamos, provocamos, esclarecemos, animamos, acompanhamos… também na certeza de que Deus continua a chamar dentro do matrimónio, do ministério ordenado e da vida consagrada a uma fidelidade cada vez maior, assumindo cada um, como mais alto ideal, a santidade, com os seus desafios e oportunidades. Estas vocações já definidas, quando são vividas na alegria e na total dedicação a si mesmas e aos outros, são o melhor testemunho e apelo vocacional para quem se interroga sobre qual o seu caminho e futuro.
No próximo fim de semana, vamos terminar este mês de maio com a habitual peregrinação diocesana a Fátima. Um grupo de jovens resolveu ir a pé, de véspera. Outro, de bicicleta, ambos a partir da vila de Constância. No dia seguinte, lá nos encontraremos com todos os diocesanos que se inserirem na Peregrinação. Cada um, antes de mais, vá como for, na véspera ou no dia, deve levar na bagagem a vontade de, sob o olhar terno da Mãe, “discernir e descobrir que aquilo que Jesus quer de cada jovem é, antes de tudo, a sua amizade”. Sim, a vida que Jesus quer construir com cada um “é uma história de amor, uma história de vida que quer misturar-se com a nossa e criar raízes na terra de cada um … é um convite para fazer parte duma história de amor, que está entrelaçada com as nossas histórias; que vive e quer nascer entre nós, para podermos dar fruto onde, como e com quem estivermos” (CV250-252).
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 24-05-2024.