A paz também depende de cada um de nós, essa paz que Jesus veio trazer mas o egoísmo dos homens não permite que ela se imponha em tantos lugares do mundo. Já assim era no tempo do Profeta Isaías. E o Profeta Isaías também dá um sinal ao rei Acaz, um sinal de paz e de esperança num mundo novo, mas o rei, infelizmente, não quis aceitar. O sinal era o nascimento de um menino, Deus connosco.
“Anuncio-vos uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos, hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor”.
A Liturgia desta noite fala-nos de um Deus que nos ama. Um Deus que na sua condescendência infinita se faz homem e nos apresenta uma proposta de vida e de liberdade, de felicidade e de paz. Uma proposta que não será obrigada pela força, mas proposta com ternura e amor, apelando à nossa decisão responsável e livre. É a aurora de um tempo novo. Um tempo novo já sonhado pelo Profeta Isaías quando assiste à devastação do seu país e ao cerco de Jerusalém. Triste e desiludido com a guerra fratricida do seu povo e a incoerência política, económica e social de quem o orienta, ele não desiste de sonhar. Sonha com um tempo novo, sem guerra nem armas, sem ódios nem sofrimento, um tempo de justiça e de paz. Fala de uma grande luz, de uma luz que começou a brilhar. Uma luz que alimenta a chama da esperança e provoca uma explosão de alegria porque uma Virgem “conceberá e dará à luz um filho, e o seu nome será Emanuel”, Deus connosco. Este filho tem “o poder sobre os ombros e será chamado “Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz”.
É o nascimento deste menino da casa de David, em Belém, deste menino já anunciado pelos profetas e ansiosamente aguardado pelo povo de Deus, é o nascimento este menino que hoje celebramos, agradecemos e anunciamos. É Ele que dá sentido pleno à profecia messiânica de Isaías. É Ele que vem de Deus para vencer as trevas e as sombras da morte e instaurar o mundo novo da justiça e da paz. É em nome deste Menino, o Príncipe da paz, que hoje, em todas as famílias portuguesas, pelo menos nas mais atentas aos sinais e símbolos que nos são propostos, se acende uma vela dentro da campanha “10 Milhões de Estrelas – Um Gesto pela Paz” que a Cáritas portuguesa tem promovido de há uns anos a esta parte. Por toda a parte, surgem iniciativas em favor da paz que não existe. Da paz que só existirá verdadeiramente quando fundada na paz de Jesus. E esta paz começa no coração de cada pessoa quando cada pessoa conseguir destruir o seu egoísmo e o seu individualismo exacerbados.
Pelo terceiro, ano consecutivo, também chegou a Portugal uma iniciativa dos Escuteiros da Áustria os quais, com a colaboração de Escuteiros de diferentes países da Europa e de outros continentes, distribuem a Luz da Paz acesa cada ano por um rapaz ou rapariga austríaco na Cova da Natividade de Jesus, em Belém. A distribuição desta Luz da Paz, a todos os países participantes, é feita a partir de Viena, com uma mensagem de Paz, Amor e Esperança. Posteriormente, os Escuteiros e Guias do mundo, distribuem-na por paróquias, lares, hospitais, casas de idosos, prisões e outras locais das suas cidades, vilas e aldeias. Também essa luz chegou à nossa Catedral e ali se encontra junto do presépio, é a luz da paz de Belém. São sinais, são gestos a manifestar o desejo da paz, da paz que não podemos pensar que é apenas obrigação dos outros construí-la. A paz também depende de cada um de nós, essa paz que Jesus veio trazer mas o egoísmo dos homens não permite que ela se imponha em tantos lugares do mundo. Já assim era no tempo do Profeta Isaías. E o Profeta Isaías também dá um sinal ao rei Acaz, um sinal de paz e de esperança num mundo novo, mas o rei, infelizmente, não quis aceitar. O sinal era o nascimento de um menino, Deus connosco.
E comenta o Papa Francisco: “A profecia de Isaías anuncia o nascer de uma luz enorme que quebra a escuridão. Esta nasce em Belém e é recebida pelas mãos carinhosas de Maria, pelo afeto de José, pela admiração dos pastores. Quando os anjos anunciaram aos pastores o nascimento do Redentor, fizeram-no com estas palavras: “Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em faixas, deitado numa manjedoira” (Lc 2, 12). O “sinal” é a humildade de Deus, a humildade de Deus levada ao extremo; é o amor com que, naquela noite, Ele assumiu a nossa fragilidade, o nosso sofrimento, as nossas angústias, os nossos desejos e os nossos limites. A mensagem que todos esperavam, aquilo que todos procuravam no fundo da sua alma, era apenas a ternura de Deus: Deus que nos observa com os olhos repletos de afeto, que aceita a nossa miséria. Deus apaixonado pela nossa pequenez.
Nesta santa noite, enquanto contemplamos o menino Jesus acabado de nascer e deitado numa manjedoira, somos convidados a refletir. Como recebemos a ternura de Deus? Deixo que ele se aproxime, deixo-me abraçar, ou impeço-O de se aproximar? “Oh, não, eu procuro o Senhor!”, poderíamos replicar. Contudo, a coisa mais importante não é procurá-lo, mas sim deixar que seja Ele a procurar-me e a acariciar-me com ternura. Esta é a pergunta que o Menino nos faz com a sua presença: permito a Deus que goste de mim?” (Francisco, 24/12/2014).
A resposta a esta pergunta não me parece que seja fácil. Sim, permito a Deus que goste de mim? Tanta dureza de coração, tanto adiamento para assumir os desafios que Ele nos propõe, tantas resistências, tanto agir como que se não precisamos d’Ele para nada…
Como sabemos, Deus não nos abandona, mas também não se impõe pela força. Não se impõe por falar muito, muitas vezes e muito alto. Não se impõe pela força de interesses individuais, egoístas e mesquinhos. Não se impõe pelas técnicas da engenharia social e das propagandas egocêntricas. Também, como alguém afirma e porque d’Ele os homens se esquecem nas instâncias de decisão, “não se manifesta nos encontros internacionais onde os donos do mundo decidem o destino dos homens, nem nos gabinetes ministeriais, nem nos conselhos de administração das multinacionais, nem nos salões onde se concentram as estrelas do jet-set, mas numa gruta de pastores onde brilha a fragilidade, a dependência, a ternura, a simplicidade de um bebé recém-nascido”.
Mas, podemos perguntar, mas que espécie de lógica é esta em que o próprio Anjo faz aos pastores a revelação de um acontecimento tão importante para todo o povo e aponta, para o encontrarem, umas credenciais tão frágeis e nada em consonância com a forma mais curial e mais aguardada pelas instâncias sociais? Contrariando o que se pensava sobre a forma como haveria de aparecer o Messias, o Anjo diz-lhes: “Anuncio-vos uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos, hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura”.
Na verdade, a lógica de Deus não é a nossa lógica! É na solene simplicidade do presépio que se destaca a grandeza do essencial, a força invencível do amor que continua a não ser amado..
O libertador dos homens entra na história de forma simples e pobre e para a qual o Evangelista Lucas tem a preocupação de nos chama a atenção: o Menino não tinha lugar na hospedaria, a manjedoira dos animais é que lhe serviu de berço, os panos que o envolveram foram improvisados, os pastores, gente pouco ou nada recomendada pela sociedade de então, foram os primeiros a visitá-lo. Foram os primeiros a receber, da parte do Anjo, o anúncio do nascimento de Jesus, precisamente porque estavam entre os últimos e os últimos haveriam de tornar-se os verdadeiros protagonistas. E eles não hesitaram e vieram ao encontro da salvação que Deus lhes oferecia em Jesus, o único Salvador, o Cristo, o Messias esperado, o Senhor de tudo e de todos. De facto, desde o seu nascimento Jesus viu-se no meio dos recusados pela sociedade. É a eles que primeiro Jesus se manifesta e manifestou durante toda a sua vida terrena, com palavras cheias de amor, compreensão, liberdade e esperança. Os letrados, os sábios, os poderosos, isto é, os que se consideravam intocáveis e se tinham como a fina flor da sociedade, vão rejeitá-lo e condená-lo à morte. E só porque Ele passou pelo mundo fazendo o bem.
No Evangelho de hoje, diz-se que não havia lugar para eles na hospedaria! Na nossa história pessoal, também somos capazes de constatar que nem sempre há lugar para Ele. A olho nu, somos capazes de reconhecer que há, na nossa vida, momentos luminosos e momentos mais escuros, momentos de luzes e momentos de sombras e de morte. Momentos de tanta riqueza e de tanta autossuficiência interior que não nos deixam ter lugar para Ele no nosso coração, na nossa família, no nosso ambiente de trabalho, nos espaços de lazer, naquilo que fazemos e dizemos. No entanto, este Senhor continua a amar-nos, continua a ser para nós uma grande notícia e continua a dizer-nos que veio para que a sua alegria estivesse em nós e a nossa alegria fosse completa.
Há pouco, professamos: Ele está no meio de nós. É verdade, Ele está no meio de nós. A luz do Natal é também a luz da Páscoa, é a luz de Jesus vivo, de Jesus ressuscitado, que está mo meio de nós, conhece cada um de nós, chama-nos pelo nome e deseja que cada um de nós e cada família lhe escancare as portas do coração, o acolha e experimente a alegria da sua presença e do seu amor: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3, 20).
Na segunda leitura que ouvimos, São Paulo dá três razões importantes para que escancaremos as portas a Cristo Jesus:
“- porque Deus nos ama a todos verdadeiramente;
– porque este mundo não é a nossa morada permanente e os seus valores são passageiros;
“- porque Cristo se entregou totalmente, até à morte, para nos salvar e fazer de nós homens novos.
Se estamos ligados a Cristo pelo batismo, tornamo-nos um com Ele e recebemos vida d’Ele…
Se estamos ligados a Cristo e se recebemos d’Ele vida, essa vida tem de manifestar-se na nossa existência diária”.
Mas, voltemos à pergunta do Papa Francisco: “permitimos nós, na verdade, que Ele goste de nós?”
Desejando a todos um Santo Natal, formulo também votos, para que em 2017 nos sintamos amados por Deus e correspondamos a esse amor: amor com amor se paga, costumamos dizer!
Antonino Dias