Os pastores, incontidos na sua alegria, foram ao encontro do Menino para e verem e conhecerem. Talvez aconteça connosco que, muito raramente, nos apressemos pelas coisas de Deus. Hoje, Deus não faz parte das realidades urgentes. As coisas de Deus – assim o pensamos e dizemos – podem esperar. E, todavia, Ele é a realidade mais importante, o Único que, em última análise, é verdadeiramente importante!” Bento XVI, 24/12/2012
O acontecimento mais alto da intervenção de Deus na história da humanidade, isto é, a incarnação e o nascimento de Jesus, Filho de Deus, deu-se num determinado enquadramento histórico. Foi no tempo do imperador César Augusto, sendo Quirino o governador da Síria, o que nos permite saber o ano e o mês aproximado em que Jesus nasceu. E para que se cumprissem as Escrituras, Deus serve-se, não de factos extraordinários, mas dos acontecimentos normais da vida. Serve-se duma iniciativa do imperador romano que, para saber o número dos seus súbditos, decretara um recenseamento geral.
Era em Belém, terra natal do Rei David, que, segundo a profecia do Profeta Miqueias, o Redentor do Mundo haveria de nascer. Foi ali que o profeta Samuel veio para sagrar David como rei do Povo de Deus. Foi ali, em Belém de Judá, que «um Menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros, e será chamado Conselheiro admirável, Deus valoroso, Pai eterno, Príncipe da Paz” (Is 9, 6), conforme ouvimos na primeira leitura.
Reparemos: Um menino em toda a sua fragilidade é Deus valoroso. Um menino em toda a sua pobreza é Pai para sempre. Um menino que nasce pobre e na pobreza de um estábulo é o Príncipe da Paz! N’Ele, no menino Jesus, o Deus conselheiro, o Deus valoroso, o Pai eterno, o Deus príncipe da Paz, torna-Se dependente, necessitado de atenção, de carinho e de amor de pessoas humanas (cf. Bento XVI 24/12/2011). O Deus que se faz menino, sem pompa nem circunstâncias, o Deus despido de toda a sua majestade e poder, torna-se próximo de todos nós, para nos vir dizer que nos conhece e nos ama, que é Pai amoroso e rico em misericórdia, do qual não devemos ter medo nem agir em relação a Ele como se fosse um estranho.
Aos Pastores que quando o Anjo se abeirou deles, a glória de Deus os cercou de luz e eles tiveram medo, o Anjo afirmou: “Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor” e “Imediatamente, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados” (cf. Lc 8-14). Logo que os anjos apontaram o sinal com que os Pastores haveriam de encontrar e reconhecer o Menino, e logo que os Anjos se afastaram, os Pastores, animados “por uma curiosidade santa e uma santa alegria”, apressaram-se a ir a Belém, desejosos de verem o menino de quem o Anjo tinha dito que era o Salvador: “Vamos a Belém, para vermos o que aconteceu e o que o Senhor nos deu a conhecer”. A grande alegria, de que o Anjo falara, “apoderara-se dos seus corações” e “o Povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte, uma luz começou a brilhar” (Is 9,2). Era a Luz de Deus de que todos continuamos a precisar, até porque, “Se a luz de Deus se apaga, apaga-se também a dignidade divina do homem” (Bento XVI, 24/12/2012).
Os pastores, incontidos na sua alegria, foram ao encontro do Menino para e verem e conhecerem. Talvez aconteça connosco que, muito raramente, nos apressemos pelas coisas de Deus. Hoje, Deus não faz parte das realidades urgentes. As coisas de Deus – assim o pensamos e dizemos – podem esperar. E, todavia, Ele é a realidade mais importante, o Único que, em última análise, é verdadeiramente importante!” (Idem).
Para que esta “cultura do encontro” com Deus se dê e permaneça, “devemos depor as nossas falsas certezas, a nossa soberba intelectual, que nos impede de perceber a proximidade de Deus. Devemos seguir o caminho interior, o caminho rumo àquela extrema simplicidade exterior e interior que torna o coração capaz de ver. Devemos inclinar-nos, caminhar espiritualmente para podermos entrar pelo portal da fé e encontrar o Deus que é diverso dos nossos preconceitos e das nossas opiniões: o Deus que Se esconde na humildade dum menino acabado de nascer (cf. Bento XVI 24/12/2012). É o menino do presépio, diante do qual devemos ter uma postura de criança que sempre encontra novidade em tudo, consegue admirar-se e faz perguntas para entender. Deixemos que cada uma das figuras do presépio acenda a nossa imaginação e nos convide à oração. Deixemo-nos enternecer, Deus Humanado está ali, para mover a nossa fantasia e tocar o nosso coração. Ali, o silêncio de Jesus fala. Ali, a simplicidade e o desprendimento, a entrega de Maria e de José, o recolhimento dos Pastores extasiados, tudo, tudo ali nos convida ao silêncio e à oração. Agradeçamos e contemplemos o grandioso mistério de Deus que assumiu a nossa fragilidade. Adoremos profundamente o Senhor do Céu e da Terra, que se fez pequenino e frágil. Desagravemo-lo da indiferença e abandono dos homens (cf. Cel. Lit. Dez-Jan 15/16).
O Natal é a festa da Misericórdia infinita de Deus, de Deus que não se cansa de nos acolher e perdoar, que não age de forma indiferente nem nos abandona.
Mas não havia lugar para ele na hospedaria, ouvimos no Evangelho. E se Ele, hoje, batesse à nossa porta, teria ele acolhimento para nascer?
Mas Ele está a bater à nossa porta: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3, 20).
Ele anda por aí, Ele está, está aqui, está no meio de nós como acabamos de professar, mas pode, mesmo assim, encontrar a nossa indiferença. O Evangelista João diz-nos que “Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu mas os seus não o reconheceram” (Jo 1,10-11).
Ao trazer de novo à reflexão o tema da “globalização da indiferença” na sua Mensagem para este próximo Dia Mundial da Paz, em 1 de janeiro, o Papa Francisco afirma que “A primeira forma de indiferença na sociedade humana é a indiferença para com Deus, da qual deriva também a indiferença para com o próximo e a criação (…) O homem pensa que é o autor de si mesmo, da sua vida e da sociedade; sente-se autossuficiente e visa não só ocupar o lugar de Deus, mas prescindir completamente d’Ele; consequentemente, pensa que não deve nada a ninguém, exceto a si mesmo, e pretende ter apenas direitos (…)
No espírito do Jubileu da Misericórdia, cada um de nós é chamado a reconhecer como se manifesta a indiferença na sua vida e é convidado a adotar um compromisso concreto que contribua para melhorar a realidade onde vive, a começar pela própria família, a vizinhança ou o ambiente de trabalho (…)
A misericórdia é o coração de Deus. Por isso deve ser também o coração de todos aqueles que se reconhecem membros da única grande família dos seus filhos; um coração que bate forte onde quer que esteja em jogo a dignidade humana, reflexo do rosto de Deus nas suas criaturas. Jesus adverte-nos: o amor aos outros – estrangeiros, doentes, encarcerados, pessoas sem-abrigo, até inimigos – é a unidade de medida de Deus para julgar as nossas ações. (Id).
Hoje é Natal, o natal de Jesus Cristo, rosto visível da misericórdia do Pai.
Que seja Natal todos os dias, acolhendo a misericórdia e sendo misericordiosos.
Santo Natal para todos!