Portalegre-Castelo Branco, 05-04-2019.

Sentimos a alegria da fé, a fé do Senhor, a fé dos Apóstolos, a fé da Igreja, a fé!… Esse extraordinário e maravilhoso dom que nos leva a dar uma resposta livre à proposta do Senhor que Se nos revela! No coração de cada pessoa está inscrito o desejo de Deus e Deus não Se cansa de nos atrair para Si, pela fé. E se Ele nos deu o dom da fé, também acendeu em nós a luz da razão. Fé e razão não se contradizem nem se opõem, ambas têm origem na mesma fonte e nos conduzem para a Verdade plena. Sim, a verdade não pode contradizer a verdade, assim aprendemos. A fé não vai contra a liberdade humana, nem contra a inteligência humana, nem contra a dignidade humana, nem contra a ciência… A fé dá sentido à vida! E por mais longa que seja a nossa vida é sempre muito curtinha para agradecer o dom da fé e a graça do batismo! Por isso, inseridos na Igreja, na comunidade cristã, procuramos viver os tempos fortes que ela nos vai oferecendo para que não percamos a consciência disso mesmo e avivemos constantemente esse dom que está em nós: a fé!… A fé cuja vivência não pode limitar-se a não fazer mal a ninguém. Ela implica fazer o bem sem olhar a quem, tal como Jesus fez. A Quaresma é um desses tempos fortes. É um convite a viver com aquela exigência e responsabilidade de quem quer celebrar verdadeiramente a Páscoa, a Festa por excelência de cada cristão, de cada família cristã, da comunidade cristã, de toda a comunidade humana mesmo que alguns nunca dela tivessem ouvido falar e outros a queira minimizar ou simplesmente ignorar: Ele deu a vida por todos nós, por ti também! E “debaixo do céu, não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos” (At 4, 12). Mas sendo a Páscoa a festa por excelência dos cristãos, é importante avaliar constantemente a estrutura do nosso crer, a intensidade e as motivações que nos levam à sua vivência. Pode haver desvios a fazer caminhar inutilmente. Muitas vezes, na força da fraqueza humana e na superficialidade do crer, gera-se a secura que abre fendas no coração, o vazio perturbador e angustiante, o deserto interior sem alegria nem paz. Afastando-nos da comunidade, distanciamo-nos cada vez mais daquilo que procuramos, isto é, daquele oásis da fé donde jorram as fontes de água viva e a qualidade existencial, a vida com sentido. Conforme nos ensina a Igreja, a fé “é um ato pessoal, uma resposta livre do homem à proposta de Deus que Se revela. Mas não é um ato isolado. Ninguém pode acreditar sozinho, tal como ninguém pode viver só. Ninguém se deu a fé a si mesmo, como ninguém a si mesmo se deu a vida. Foi de outrem que o crente recebeu a fé; a outrem a deve transmitir. O nosso amor a Jesus e aos homens impele-nos a falar aos outros da nossa fé. Cada crente é, assim, um elo na grande cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser amparado pela fé dos outros, e pela minha fé contribuo também para amparar os outros na fé” (CIgC166). É por isso que não podemos crescer na fé sem a comunidade cristã, sem a Igreja. É na comunidade que nascemos para a fé, alimentamos a fé, crescemos na fé, celebramos a fé, fortalecemos a fé, testemunhamos e saímos para anunciar a fé com alegria e esperança. A vivência da fé em comunidade sociabiliza, gera família, ampara, provoca entusiasmo, compromete no bem, ajuda-nos a caminhar.

Gianfranco Ravasi escreveu que há quem reduza a fé “a um apagado estandarte popular, que se leva em procissões folclóricas, consolação dócil no meio das dificuldades da vida”; que “há quem transforme a fé numa bandeira que resplandece durante as tempestades, a plante no meio das praças e a levante sobre os mastros do palácio da política, criando deste modo teocracias e regimes sagrados”; que há “uma gama diversificada de tonalidades de fé que nos pode deixar perturbados e até tentados ao relativismo ou ao sincretismo”. Parece que o homem “já crê em tudo, e o proliferar de magos, mestres, adivinhos, esoterismos e outras charlatanices espirituais, prontas a unir mensagem e massagem, ioga e iogurte, ascese e dieta, espiritualidade e magia, são a prova concreta disso”. (cf. O.R. 30.6.2012). E Paulo VI afirmava: “Não falta sequer quem confunda a fé com as próprias experiências espirituais. Estas pessoas, ao falarem consigo mesmas, interiormente, julgam que a fé que possuem lhes é suficiente, e sentem-se satisfeitos com esta consciência que eles próprios elaboraram, até mesmo quando essa consciência permanece muda, perante os supremos problemas do destino humano e dos mistérios do mundo, procurando com magnanimidade uma resignação estoica ou angustiada. Há outras pessoas que, não querendo afastar-se completamente da religião cristã, aplicam à fé um critério seletivo. Por outras palavras, dizem que acreditam nalguns dogmas, mas que não admitem outros, que lhes parecem inaceitáveis ou incompreensíveis ou demasiadamente numerosos. Contentam-se com uma fé elaborada segundo as exigências da própria mente, quando não chegam ao ponto de professar, com este critério de autonomia em julgar as verdades da fé, o livre exame, que dá a cada um a liberdade de pensar como quiser, mas priva a própria fé da sua consistência objetiva, negando-lhe a sua prerrogativa régia de ser princípio de unidade e de caridade” (Paulo VI, 8-4-1970).  
Para nós, cristãos, crer em Deus é crer inseparavelmente n’Aquele que Ele enviou, isto é, é crer no Seu Filho Jesus Cristo (cf. CIgC151). Vindo do seio do Pai, Jesus revelou-nos o amor de Deus por nós, deu a Sua vida por nós, deu-nos a Sua graça e enviou-nos o Seu Espírito para que também nós acreditemos e nos sintamos fortes e firmes na fé para ir e anunciar o Seu Reino, um Reino de justiça e de liberdade, de amor e de paz. No entanto, quem acreditou e aderiu, livre e conscientemente, à proposta do Senhor, tem o desejo de conhecer cada vez mais Aquele em quem acreditou e de compreender melhor o que Ele revelou. Tarefa nem sempre fácil. Surgem dúvidas e curiosidades, fazemos perguntas e é bom que as façamos. As dúvidas e as perguntas fazem parte do crescimento na fé, ajudam a esclarecer, a ultrapassar dificuldades e preconceitos, a deixar cair tantas razões sem razão que julgam a fé impossível.

 

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