Embora a vida dê muitas voltas, o primeiro santo português não é um sobrevivente do fatídico IP3 que liga Coimbra a Viseu. Não anda a encomendar as almas dos que dali emigram para perpétuos domicílios. Não corre de Anás para Caifás a pedir um novo piso, menos curvas, mais faixas, vias sem portagem. Não litiga para assegurar corredores ecológicos e passagens de animais para defesa dos ecossistemas locais. No seu tempo, nem os crentes esperavam tais milagres, tudo era chão que dava uvas e ninguém chamava mau àquilo que todos tinham como muito bom! Mas, resiliente e sem adiar, o nosso santo não deixou de rasgar o seu caminho, com brio e dignidade, sem se resignar a um rame-rame sem gosto nem sentido. Marcou a diferença por onde foi passando a fazer o bem e a bem fazer. Os santos são assim, uns tratados com alguns volumes de introdução! Abraçam com perseverança a prova que lhes é proposta e rejeitam ser olhados como pessoas fora do comum. Atestam que a prova que lhes foi proposta é proposta a todos e todos a podem alcançar mesmo com algumas lesões e entorses. De facto, todos somos chamados à santidade, todos temos a possibilidade de lá chegar por entre os desafios e as oportunidades com que o trajeto da vida nos honra. E se Deus, como primeiro aliado, nos oferece todas as condições e apoios para lá chegar, os santos também nos dão uma mãozinha, atados que estamos por laços de amor e comunhão.

Teotónio, um ‘santo súbito’, nasceu no Alto Minho, no lugar de Tardinhade, freguesia de Ganfei, concelho de Valença, pelo ano 1082. Uma capelinha de 1618, em alvenaria, e uma estátua da autoria do escultor José Rodrigues, no exterior, assinalam que foi ali – ou por ali -, que o pimpolho espionou a vida, bebeu das águas da fonte de Torninho e lhes deu a fama de águas milagreiras com muitas e santas lendas à mistura. Do nicho da frontaria da capela, o São Teotónio de pedra se pisgou com más companhias e sem avisar, acho eu. Lá é que ele não está, desde há muito que sumiu. Da referida estátua, um mui nobre cortejo valenciano foi ao Vaticano oferecer uma réplica ao Papa Francisco, em 2018. Foi bonito! Outra estátua existe na cidade de Valença, dentro das muralhas, outras haverá por aí. Batizado na igreja do mosteiro beneditino local, supostamente do século VII, onde receberia também a formação básica, Teotónio, sobrinho de D. Crescónio, Bispo de Coimbra, estudou filosofia e teologia em Coimbra e Viseu. Ordenado sacerdote, serviu como Prior a Sé de Viseu. Na sua primeira viagem a Jerusalém, sem ser um presente envenenado mas olhando à pessoa que era, ofereceram-lhe o cargo de Prior dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e a Custódia do Santo Sepulcro. Declinou tal convite como viria a declinar o bispado da Sé de Viseu, assim correu pelas redes sociais da época. Aliado de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, foi-o estimulando e aconselhando a ter juizinho na peleja pelo território, rabujando por ele ter escravizado os moçárabes da região de Lisboa. Humilde e austero, atento aos desamparados e doentes, grande devoto de Nossa Senhora, profundamente integrado no espírito da reforma gregoriana, foi uma pessoa notável, de ideias arejadas, reconhecido por todo o Ocidente e admirado por São Bernardo de Claraval o qual até lhe terá oferecido um báculo.

De novo à Terra Santa, aí planeava permanecer, mas, em seu tempo, acaba por regressar a Portugal. Com mais 11 irmãos e sob a proteção do Papa Inocêncio II, funda a Ordem dos Cónegos Regrantes da Santa Cruz, construindo o seu Mosteiro, em Coimbra, do qual se tornou o seu primeiro Prior. Com 70 anos de idade, renuncia ao cargo de Prior. Entregando-se à oração e à contemplação, desviveu 10 anos depois, como diria o Meritíssimo do programa televisivo. Desviveu a 18 de fevereiro de 1862, em Coimbra. Jaz no Mosteiro de Santa Cruz ao lado do primeiro rei de Portugal, continuando muito amigos. No entanto, e tanto quanto nos é lícito presumir pelos dados em mão, Teotónio, sem ser uma espécie de chico-esperto a querer passar a perna ao rei, conseguiu ultrapassá-lo, se não nas armas, noutras áreas mais pacíficas. Um ano depois da sua morte, foi canonizado pelo Papa Alexandre III. É o primeiro santo português elevado aos altares. O seu culto divulgou-se um pouco por todo o mundo. É padroeiro de várias terras, cidades e dioceses, dá o nome a instituições várias e a várias iniciativas culturais.

Henry Bergson, filósofo francês do século XX, observou que "as maiores personagens da história não são os conquistadores, mas os santos". A Igreja sabe e diz que os santos são o seu fruto mais amadurecido e eloquente, o farol, o verdadeiro património da humanidade a honrar o homem e a dar glória a Deus. São a verdadeira e determinante maioria a indicar caminhos seguros de orientação. Traduzem o divino no humano, o eterno no tempo, a grandeza na humildade. Interessantes e credíveis, sempre ajudaram a promover novos modelos culturais, novas respostas aos problemas e aos desafios sociais, novos desenvolvimentos de humanidade no caminho da história. Por isso, hoje, dificilmente se elabora um estudo académico de valor histórico, cultural, social, político, religioso, pedagógico… prescindindo destas pessoas historicamente significativas no contexto da sociedade em que viveram. Os santos e santas oferecem material abundante e historicamente fiável, independentemente da abordagem e do estudo com que alguém se aproxime deles.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 14-02-2025.

 

 

 

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