O casting é um procedimento aconselhável para triar artistas, modelos, cantores, perfis ideais para projetos ou funções específicas. Ajuda a selecionar aqueles e aquelas que, desejando participar, mais se destacam pelas suas habilidades, dons, caraterísticas naturais, capacidades e confiança em ordem ao fim em vista.

No âmbito do exercício da governança, o casting é que está mesmo difícil. Faz lembrar o rei da Frígia e o nó com que o senhor Górdio, para memória do seu humilde passado e glória do seu presente endinheirado, grato e feliz, atou firme, com um nó impossível de desatar, a sua carroça à coluna do templo de Zeus. Só Alexandre, o Grande, muitos séculos depois, é que conseguiu desatar aquele nó e conquistar o mundo. Presumo que teremos uns bons séculos pela frente até que alguém desfaça este nó górdio da governança urbi et orbi, isto é, da governança destinada à cidade e ao mundo, ao perto e ao longe, desde o vértice à base. E não só. Há muita espécie de poder com grande complexidade de atribuições e exigência, reclamando que se conquiste quem deve ser conquistado para usar tal poder e servir a sociedade. Acredito que não é só pelo traquejo por partidos e gabinetes acima que os concorrentes ao casting são apurados. Nem será somente pela sua capacidade de chefia, de apresentação, de verborreia fácil ou de presença constante. Tem havido gente bem treinada, com capacidade de liderança, competência e habilidade para a função de servir, com humildade, amando a causa. Outra terá havido a não corresponder aos requisitos exigidos, colecionando até, em si mesma, tudo o que é preciso para ser mais que antipática. Paciência! Somos humanos, somos diferentes, temos diversas maneiras de ser, estar e agir. Acredito que, dada a complexidade do ser humano, o casting tenha dificuldade em detetar as debilidades de quem se propõe, pois, toda a gente, naquele momento, se aperaltará. Também é possível que a linhagem e as cunhas ainda funcionem, ao ponto de se deixar passar quem não deveria. Entretanto, a sabedoria do povo continua a receitar os seus comprimidos profiláticos: “se queres ver o vilão, mete-lhe a vara na mão”. A maneira como a pessoa se faz valer para determinado cargo de poder, nem sempre insinua que, uma vez lá, empinará o nariz como dono e senhor de tudo e de todos, sacrificando quem lá o colocou e dando aso à sua ambição e protagonismo estrambalhado, gerando infelicidade e incerteza. Se passar no crivo, pode, de facto, se alguma vez o admitiu, pode esquecer a fonte do seu poder e o fundamento do seu agir, não assumindo, como obrigação, promover o bem comum, a estabilidade e a paz, a alegria da fraternidade e do amor entre todos. Pode não reconhecer nem respeitar a história, apenas respeitar e reconhecer os seus influenciadores e apaniguados, ainda que não passem de cegos a guiar outro cego. Sem qualquer espécie de autoridade, estas pessoas, a par do poder que detêm e dos seus objetivos pouco claros, são habilidosas em cativar os aplausos do povo, para, mesmo contra a corrente, levarem a água ao seu moinho, ainda que seja com os populismos do bota-abaixo só porque sim, para eles, sem provas dadas, entenderem que são os melhores e se arribarem acima. A psicologia das multidões é complexa. Dá-nos conta de como as pessoas funcionam em grupos ferrenhos ou em sociedades sem grande arcaboiço moral e baixas competências cognitivas, pautadas que estão por ideologias e interesses da liderança. As multidões são estúpidas, disse não sei quem, talvez Gustave Le Bon, já no século XIX. Atuam de forma cega sob a batuta de extremistas, modas, ditadores e propaganda livre e conscientemente orientada. Os meios de comunicação social, por sua vez, não só pela sua função e gosto de informar, mas também na luta pela sua sobrevivência, ampliam e mediatizam o que se diz e faz, mas logo esquecem o noticiado para surgirem com novas opiniões mediáticas, se não opostas, pelos menos diferentes, sem darem tempo ao discernimento social. Como abelhas de flor em flor, contribuem assim, não para que haja uma sociedade doce, com sabor a mel, mas para uma sociedade de maus fígados, de fel, avinagrada. Porque pensar é uma trabalheira dos diabos, as pessoas enfileiram-se sob essas opiniões matraqueadas ao excesso, mas efémeras, sem passado que estrondeasse, sem presente a elogiar, sem futuro à vista, transitórias.

O mundo precisa mesmo é de quem saiba e puxe por outra gramática, a dos profetas. Os profetas são as buzinas, os megafones, os amplificadores do grito dos oprimidos, dos pobres, dos que sofrem, das vítimas da guerra e da perseguição. Contestam as prepotências dos d’ouvidos surdos, olhar vesgo e coração de pedra. É verdade que não são muitos os verdadeiros profetas, sim, é verdade. Mas os sofridos continuam a gritar por alguém que os veja com os olhos do coração, que lhes acuda e os ajude a gritar bem alto pelas suas causas. Pois, como afirmava Francisco no passado Domingo, O mundo está nas mãos de forças malignas, que esmagam os povos com a arrogância dos seus planos e a violência da guerra”.

Paulo VI, em maio de 1967, referia, em Fátima, que “o mundo não é feliz nem está tranquilo. A primeira causa desta sua inquietação é a dificuldade que encontra em estabelecer a concórdia, em conseguir a paz”. Se possui armas tanto quanto baste, “o progresso moral não iguala o progresso científico e técnico”. E esta paz de que o mundo precisa, embora seja um dom de Deus, “nem sempre é dom miraculoso; é dom que opera os seus prodígios no segredo dos corações dos homens; dom que, por isso, tem necessidade da livre aceitação”. Por isso, ele se dirigia aos homens de todo o mundo, apelando com veemência: “Homens, sede homens … sede cordatos, abri-vos à consideração do bem total do mundo … procurai ver o vosso prestígio e o vosso interesse não como contrários ao prestígio e ao interesse dos outros, mas como solidários com eles … não penseis em projetos de destruição e de morte, de revolução e de violência; pensai em projetos de conforto comum e de colaboração solidária … pensai na gravidade e na grandeza desta hora, que pode ser decisiva para a história da geração presente e futura … aproximai-vos uns dos outros com intenções de construir um mundo de homens verdadeiros … escutai … o eco vigoroso da Palavra de Cristo: “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra, bem aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 14-03-2025.

 

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