Neste ano 2025, ano especial, ano jubilar, um dos três apelos que é feito às pessoas de boa vontade, de toda a comunidade humana, é que haja ‘um firme compromisso de promover o respeito pela dignidade da vida humana, desde a sua conceção até à morte natural’. Entre nós, a arte nobre da política, que é um serviço para o bem de todos, nem sempre usa de tal nobreza em relação à defesa da vida de todos, mesmo que a Constituição portuguesa proclame que “a vida humana é inviolável”, que “em caso algum haverá pena de morte”, que “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”, que “ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos” (Artigos 24º e 25º).

Redigido há cerca de 2.600 anos, o Juramento de Hipócrates, uma obra de arte e sabedoria só comparável às mais altas criações do espírito humano, continua a indicar as regras éticas para o exercício da honrosa profissão da Medicina. No entanto, sendo um marco importante na história da medicina e dos profissionais da saúde, já sofreu algumas alterações e há quem o rejeite ou o desvalorize. Desde os primórdios da história humana, perante o fratricídio de Abel por seu irmão Caim, é denunciada a gravidade do crime e acentuada a importância da preservação da vida. Mais tarde, no Sinai, soou firme a ordem: “Não matarás”, uma ordem que destaca a importância da sacralidade da vida humana, transcendendo o âmbito físico e abrangendo todas as manifestações de ódio e ira que possam comprometer o dom da vida. No entanto, se há quem se identifique plenamente com a defesa da vida, desde a sua conceção até à morte natural, e a tenha como um dever sem tergiversações, outros há que, em vez disso, pedem que seja regulamentada a possibilidade de matar sem ensanguentar as mãos, como se tudo o que é legal fosse moral. A verdade, porém, não depende de maiorias, nem do mais forte. A par, investe-se contra a dignidade da classe médica, limitando a sua liberdade de consciência, ficando mui incomodados quando os médicos, aqueles que têm consciência da gravidade do ato, recorrem à objeção de consciência para o não praticarem, um direito que lhes assiste. E, como sabemos, não é a religião nem a filosofia que comprovam a vida humana desde a sua conceção. É a ciência. Progressistas, ao ponto de mandarem a ciência às malvas, querem fazer crer, na opinião pública, que os defensores da vida são ignorantes e retrógrados. Afirmam que a defesa da vida é uma questão meramente religiosa, e que, por isso, não faz sentido numa sociedade pluralista. Que é uma consequência natural dos progressos culturais do tempo, esquecendo que a defesa da vida é uma questão iminentemente humana. Entendemos estes zelos, até porque, quem os tem, já nasceu, e a aplicação do que defendem não tem efeitos retroativos sobre eles próprios. Seja como for, não podemos deixar de afirmar que, de entre os crimes contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente grave. A perceção da sua gravidade, porém, tem-se vindo a diluir progressivamente em muitas consciências. O sentido ético da sociedade é cada vez mais incapaz de distinguir o bem do mal, mesmo quando está em jogo o direito à vida.

A coragem de olhar frontalmente a verdade e chamar às coisas pelo seu nome, foi chão que deu uvas. E mal vai quando a verdade incomoda, quando se tem medo dela ou dela se foge. Dizer que o aborto provocado é crime, “crime abominável”, é verdade, mas incomoda muita gente. É um ser humano que, na primavera da vida, é eliminado, sendo o mais inocente de todos os inocentes que se possam imaginar. Não é um agressor, é uma vida humana que, na sua total fragilidade, sem qualquer capacidade de defesa, pede que dele tenham dó e o deixem crescer, nascer e viver em paz, como peregrino de esperança. Tem vida própria, é autónomo, também da mãe, embora dela dependa até ao seu nascimento. O relatório da Direção Geral da Saúde, publicado em 27 de dezembro, afirma que, em 2023, foram realizados em Portugal, 17.124 abortos, um aumento de 3% face ao ano 2022. A Organização Mundial de saúde, estima que, globalmente, cerca de 73 milhões de abortos induzidos ocorrem anualmente, o que equivale, aproximadamente, a 200 mil por dia. Os atentados à vida, tanto em relação à vida nascente como à vida terminal, estão, cada vez mais, a revestir-se de singular gravidade. É um retrocesso civilizacional a solidificar a cultura da morte. A consciência coletiva não os quer considerar como crimes, quer abraçá-los como um direito de quem os pratica: um direito da mulher quando se trata do aborto, um direito de alguém quando se trata da eutanásia. Para o conseguir, pretende-se retirar passos fundamentais para o consentimento informado da mulher que aborta, procura-se o reconhecimento legal por parte do Estado, pede-se a concretização gratuita pelos profissionais de saúde, esconde-se a verdadeira natureza desses atentados e procura-se atenuar a sua gravidade, usando uma terminologia ambígua, a qual deixa já transparecer um certo mal-estar das consciências, pois sabem que nenhuma mudança de linguagem é capaz de alterar a realidade das coisas, a verdade. No âmbito da eutanásia, defendem que é apenas para casos limite e em prol de uma morte digna, da autonomia e da liberdade da pessoa que sofre. Esquecem, porém, que a autonomia e a liberdade pressupõem a vida como bem indisponível, é o pressuposto de todos os direitos. Só é livre quem vive e a dignidade do ser humano é objetiva, a doença não a diminui, implica, isso sim, é que se reivindique e proporcione os necessários cuidados paliativos a quem sofre. Quem tem a responsabilidade de cuidar e acompanhar, quem tem a responsabilidade sobre as instituições atinentes e quem adquiriu competências para legislar, respeitar e defender a vida humana não deveria colocar-se a jeito, carregando a culpa desta promoção da cultura da morte.

 

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 08-01-2025.

 

 

 

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