A gratidão é uma virtude a cultivar. É uma forma distinta e saudável de reconhecer o bem que alguém, gratuita e desinteressadamente, me fez ou fez a outra pessoa, ou a todos dado o alcance da sua ação. Reconhecer esse gesto e feito manifesta nobreza de caráter. Aliás, quem reconhece o bem que lhe fizeram, regra geral não se fica por aí. Sente alegria e, com ternura e humildade, sabe agradecer. Pode acontecer que, por variadíssimas razões, não possa, em momento oportuno, retribuir tais favores. Quando, porém, o pode fazer, a retribuição, muitas vezes, é bem maior que o benefício recebido. E não se trata de pagar. Nestas coisas não há pagamento. Há gratidão, e retribuição se possível. É certo que ninguém deve fazer o bem para receber recompensa. No entanto, a gratidão faz parte da formação do coração, da cortesia, da boa educação. Assim é em todas as culturas e instâncias sociais. A família é a primeira universidade onde se educa para reconhecer, agradecer, retribuir e valorizar os gestos de bem de uns para com os outros. Este treino persistente, em família, leva a que todos os seus membros façam o mesmo no seu ambiente profissional, social e religioso. E sabem ir além do simples ‘obrigado’, reconhecendo o valor dos outros, as bênçãos que eles lhe proporcionam, gerando-se um ambiente de alegria constante, de entusiasmo contagiante, de colaboração sadia, de gratidão recíproca.
A ingratidão dói, é feia, é filha da soberba, é sinal de fraqueza, às vezes é nociva. Quem abraça a ingratidão esconde egoísmo, autorreferencialidade, não aceita o sucesso do outro, sente-se superior, pensa que ninguém está à sua altura ou entende que ser grato o diminui. Por isso, não raro, até retribui o bem com o mal, ou, então, como engenho de autodefesa ou de falta de polidez, finge não o ter recebido, minimiza ou esquece. É caso para perguntar: “quem te fez superior aos outros? Que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, porque te glorias, como se não o tivesses recebido?” (1Cor 4,7). Quem faz o bem e não é reconhecido, tanto pode gracejar e ser indiferente, como pode sentir-se usado e arrependido de o ter feito ou desistir de o fazer.
Vamos viver a Semana Santa. Celebramos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. É a Páscoa, a Festa principal dos cristãos, a Festa das festas a merecer o mais elevado sentimento de apreço e gratidão. Se é verdade que todos os mistérios da vida terrena de Jesus são causa da nossa salvação, só com o mistério Pascal, com a passagem da morte à ressurreição, a realidade da redenção se instaura definitivamente e salva. E, mesmo que alguém não acredite e estrebuche, não há, não houve, não haverá pessoa pela qual Jesus não tenha sofrido e dado a vida. Deus, que nos amou primeiro, enviou o seu Filho como vítima de propiciação pelos nossos pecados. Este amor é universal. Atinge toda a humanidade e cada um. Jesus, ‘mediador único entre Deus e os homens’, na sua pessoa divina encarnada, ‘uniu-se, de certo modo, a cada homem’, ‘reconciliou o mundo consigo’, sofreu e ‘ofereceu-se livremente para nossa salvação’ e ‘a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal, ‘por um modo só de Deus conhecido’. Para bem deles, convidou os seus discípulos a ‘tomarem a sua cruz e a segui-lo’. Tendo ressuscitado, Ele ‘é o princípio da nossa própria ressurreição, desde agora pela justificação da alma, mas tarde pela vivificação do nosso corpo’.
Não há ninguém que possa dizer que Deus o não ama. Não há ninguém que possa dizer que o amou primeiro. Não há ninguém que possa ter estado ou esteja fora da causa do nascimento, da paixão e da morte de Jesus. Ele veio por causa de todos e de cada um, para cada um e para todos. Por amor ao Pai e ao homem, sofreu a flagelação, a paixão, a humilhação, a negação, o abandono, a ingratidão, a zombaria, a traição, a morte. Ofereceu-se pela humanidade, mas esta não o quis reconhecer. Perdoou a todos, por todos deu a vida, ressuscitou. A sua ressurreição mudou a história da humanidade e de cada ser humano. Pela sua morte e ressurreição a nossa morte foi vencida, abriu-se a perspetiva da nossa ressurreição e da imortalidade junto ao Pai. Esta é a grande boa nova a ser proclamada em todo o mundo, até o fim dos tempos.
Saibamos reconhecer o que Deus, em Cristo, fez por nós. Demos graças ao Senhor por isso, agradeçamos, retribuamos: ‘amor com amor se paga’. Ele “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a quantos o receberam, aos que nele creem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus”. Sejamos gratos para com o Senhor, participemos na Semana Santa, sigamos os seus passos em peregrinação interior, com esperança.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 11-04-2025.