Neste mês dedicado à oração pelos fiéis defuntos, recordo o texto de Paulo de Tarso que nos ajuda a ver o que não se vê, a rezar com esperança e a enveredar pelo caminho certo, não por carreiros perigosos ou fracos atalhos. No seu tempo, Paulo era suficientemente conhecido. Uns conheciam-no pelo seu zelo em defesa dos costumes e da crença no Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, o Deus do seu povo e da sua cultura. Um povo por Deus escolhido e por Deus libertado, amado, perdoado e acompanhado. Outros conheciam-no pela sua ação de terror contra os que, atentos aos sinais dos tempos e sem ofender ninguém, procuravam apresentar e testemunhar as surpresas desse mesmo Deus que acabava de cumprir as suas promessas em Jesus, o Messias. Paulo negava-se a acreditar que isso fosse verdade. Com o pleno assentimento das autoridades, na fúria do seu fundamentalismo, perseguia os cristãos por toda a parte, mesmo em cidades estrangeiras. Obrigava-os, com torturas, a que se retratassem, metia-os na prisão, dava o seu assentimento quando eram mortos, ficava feliz.
Um dia, porém, quando se dirigia para Damasco à cata de cristãos, tropeça em Jesus Cristo Ressuscitado que se faz encontrado na sua vida. A cambalhota foi grande e dolorosa! O que mais doeu a Paulo, não foi, por certo, o magoar-se ao cair por terra. Foi o cair em si, o reconhecer quão errado andava. Ao sentir-se envolvido por essa “luz vinda do céu, mais brilhante do que o Sol”, não insistiu na sua desumanidade nem resistiu à visão celeste, mudou de rumo. Jamais se calou, acabando ele mesmo por ser preso, julgado e morto por anunciar tão feliz experiência com Jesus Ressuscitado, a quem antes perseguia. Na sua defesa diante do rei Agripa, ele afirmou a razão pela qual o prenderam: “Amparado pela proteção de Deus, continuei a dar o meu testemunho, diante de pequenos e grandes, sem nada dizer além do que os profetas e Moisés predisseram que havia de acontecer: que o Messias tinha de sofrer e que, sendo o primeiro a ressuscitar de entre os mortos, anunciaria a luz ao povo e aos pagãos” (At 26, 19…).
Em face disso, é de Paulo que temos um dos mais belos textos sobre a Ressurreição de Jesus, mesmo que suscite perguntas. Escreveu ele: “Lembro-vos, irmãos, o evangelho que vos anunciei, que vós recebestes, no qual permaneceis firmes e pelo qual sereis salvos, se o guardardes tal como eu vo-lo anunciei; de outro modo, teríeis acreditado em vão. Transmiti-vos, em primeiro lugar, o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos, de uma só vez, a maior parte dos quais ainda vive, enquanto alguns já morreram. Depois apareceu a Tiago e, a seguir, a todos os Apóstolos. Em último lugar, apareceu-me também a mim, como a um aborto. É que eu sou o menor dos apóstolos, nem sou digno de ser chamado Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou e a graça que me foi concedida, não foi estéril. Pelo contrário, tenho trabalhado mais do que todos eles: não eu, mas a graça de Deus que está comigo. Portanto, tanto eu como eles, assim é que pregamos e assim também acreditastes. Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como é que alguns de entre vós dizem que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. Mas se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a vossa fé. E resulta até que acabamos por ser falsas testemunhas de Deus, porque daríamos testemunho contra Deus, afirmando que Ele ressuscitou a Cristo, quando não o teria ressuscitado, se é que, na verdade, os mortos não ressuscitam. Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé e permaneceis ainda nos vossos pecados. Por conseguinte, aqueles que morreram em Cristo, perderam-se. E se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens.
Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram. Porque, assim como por um homem veio a morte, também por um homem vem a ressurreição dos mortos. E, como todos morrem em Adão, assim em Cristo todos voltarão a receber a vida. Mas cada um na sua própria ordem: primeiro, Cristo; depois, aqueles que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda. Depois, será o fim: quando Ele entregar o reino a Deus e Pai, depois de ter destruído todo o principado, toda a dominação e poder. Pois é necessário que Ele reine até que tenha colocado todos os inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído será a morte, pois Deus tudo submeteu debaixo dos pés dele. Mas quando diz: «Tudo foi submetido», é claro que se exclui aquele que lhe submeteu tudo. E quando todas as coisas lhe tiverem sido submetidas, então o próprio Filho se submeterá àquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em todos.
Se assim não fosse, que procurariam os que se fazem batizar pelos mortos? Se, de facto, os mortos não ressuscitam, por que motivo se fazem batizar por eles? E nós também, porque nos expomos aos perigos a todo o momento? Todos os dias, arrisco-me à morte, tão certo, irmãos, quanto sois vós a minha glória em Jesus Cristo nosso Senhor. Se fosse apenas por motivos humanos, de que me adiantaria ter combatido contra as feras em Éfeso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos porque amanhã morreremos. Não vos iludais: “As más companhias corrompem os bons costumes.” Sede sóbrios, como convém, e não continueis a pecar! Pois alguns de vós mostram que não conhecem a Deus: para vossa vergonha o digo.
Mas dir-se-á: Como ressuscitam os mortos? Com que corpo regressam? Insensato! O que semeias não volta à vida, se primeiro não morrer. E o que semeias não é o corpo que há de vir, mas um simples grão, por exemplo, de trigo ou de qualquer outra espécie. É Deus que lhe dá o corpo, como lhe apraz; dá a cada uma das sementes o corpo que lhe corresponde. Nem toda a carne é a mesma carne, mas uma é a dos homens, outra a dos animais, outra a dos pássaros, outra a dos peixes. Há corpos celestes e corpos terrestres, mas um é o esplendor dos celestes e outro o dos terrestres. Um é o esplendor do Sol, outro o da Lua e outro o das estrelas, e até uma estrela difere da outra em esplendor. Assim também acontece com a ressurreição dos mortos: semeado corruptível, o corpo é ressuscitado incorruptível; semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual. Se há um corpo terreno, também há um corpo espiritual. Assim está escrito: o primeiro homem, Adão, foi feito um ser vivente e o último Adão, um espírito que vivifica. Mas o primeiro não foi o espiritual, mas o terreno; o espiritual vem depois. O primeiro homem, tirado da terra, é terrestre; o segundo vem do céu. Tal como era o terrestre, assim são também os terrestres; tal como era o celeste, assim são também os celestes. E assim como trouxemos a imagem do homem da terra, assim levaremos também a imagem do homem celeste. Digo-vos, irmãos: o homem terreno não pode herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdará a incorruptibilidade. Vou revelar-vos um mistério: nem todos morreremos, mas todos seremos transformados; num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final – pois a trombeta soará – os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados. É, de facto, necessário que este ser corruptível se revista de incorruptibilidade e que este ser mortal se revista de imortalidade. E, quando este corpo corruptível se tiver revestido de incorruptibilidade e este corpo mortal se tiver revestido de imortalidade, então cumprir-se-á a palavra da Escritura: A morte foi tragada pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado e a força do pecado é a Lei. Mas sejam dadas graças a Deus que nos dá a vitória por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim, meus queridos irmãos, sede firmes, inabaláveis, e progredi sempre na obra do Senhor, sabendo que o vosso trabalho não é inútil no Senhor (At 15, 1-58).
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 03-11-2023.