Por vezes, quando o cansaço é muito e a meta se apresenta a anos-luz de distância, quer seja uma caminhada mal calculada para as próprias forças, quer seja um trabalho penoso a ter de levar a cabo, logo surgem, na esquina do tempo, as saudades duma cadeira ou sofá para descansar um pouco, talvez a escrever, brincando. Conseguindo isso, é com estridente aplauso que nos apetece atribuir o prémio nobel a quem inventou tais geringonças. E há muitas, de muitos gostos, estilos e feitios: cadeiras cadeirões cátedras poltronas bancos bancadas… E não servem apenas para descansar, não estão todas ao serviço de todos, nem todos se sentam nestas ou naquelas, quer pela sua função, quer pela sua qualidade e preço, quer pelo perfil dos seus utentes. Conforme o seu adn, o nome que lhes dão, o local onde se colocam e a ciência ergonómica que comportam, depressa manifestam o seu propósito, logo fazendo subir ao toutiço o perfil de quem as irá usar. Tanto podem insinuar poder e responsabilidade, como lembrar tiranias, despotismo, corrupção, velhice, doença, dependência, brinquedo, jardim, morte…

E toda esta minha verborreia para desviar o leitor da gana de zurzir em quem, por estes dias, incendiou de vergonha as briosas e nacionais cadeiras de São Bento. As vozes, os ditos, as provas e o fastio acumulam-se a denunciar aqueles quiproquós de lesa parlamento e democracia. Não se pode tirar o chapéu a ninguém por zelo tão zeloso em ‘palavradas de tarimba’, a menos que – se isso bastar! -, a menos que enfie o barrete e peça desculpa, dizem os craques na matéria. Sentindo-se a necessidade, não se sabe bem que espécie de maquineta poderá extinguir a dureza cardíaca de tais modos de manifestar o amor pátrio e o desamor humano, desconfiando-se que nem o pirelióforo do cientista de Arcos de Valdevez, com as suas elevadas temperaturas, seria capaz de o conseguir. Sabemos, isso sim, é que há mosquitos por cordas e a procissão, se ainda vai no adro, em honra de São Bento é que ela não é. Se o fosse, daquele local de nacional representação e visibilidade, ninguém faria discurso rasca e acima dos decibéis razoáveis, evitar-se-ia que as carótidas se amontanhassem e fossem enxergadas de longe sem necessidade de binóculos. Convém dizer-se, no entanto, que, por vezes, a carga elétrica do entusiasmo de uns, por causa do altíssimo progresso que defendem, é de tal ordem excessiva que os fusíveis de outros vão aos ares e aos arames, mas isso, se as regras são respeitadas, faz parte do jogo. Em democracia sem sinodalidade e com alguma gincana, há que vender o produto sem admitir que a galinha do vizinho é melhor que a minha, embora possa ser e disso haja plena consciência. Dando atenção aos mui sábios da Grécia, muito se lucraria se se limitasse a chavasquice às áreas dos passos perdidos onde se convive, conversa, mexerica, coscuvilha, enfeita, espera e desespera. Quando isso entra mesmo na sala das reuniões plenárias, não só prova quão perdidos foram os passos de quem votou nos talentos em causa, como também azeda quem, digna e responsavelmente, aceita a missão e a arte nobre da política para servir o povo. Porque, de facto, nem tudo é farinha do mesmo saco, viremos o bico ao prego e falemos daquela outra cadeira que, por estes dias, até é digna de uma comemoração festiva em todo o mundo! Sim, em todo o mundo!

Começou por ser atribuída a um pobre pescador, sem formação académica, sem pretensões de tribuno, sem nunca se ter apresentado em público, mas líder incontornável e responsável-mor duma instituição cuja tarefa, apesar de já orçar mais de dois mil anos de existência, ainda está no seu princípio, como fermento no meio da massa. E recomenda-se! Tal Cadeira representa princípios e valores, tem significado espiritual, é sinal de unidade na diversidade, recorda a dignidade da pessoa que, em nome de Jesus, dela abençoa e ensina urbi et orbi, faz memória da sua autoridade, do seu magistério, do seu carisma, da sua missão, não cabendo simplesmente aos homens decidir quem é que a vai ocupar. Jesus, o Verbo de Deus encarnado, fundamento e fundador da Igreja, foi quem escolheu Pedro para ser o primeiro a usuar essa Cátedra, capacitou-o com o Espírito da Verdade e permanece unido à sua função e à função dos seus Sucessores, que são eleitos como “princípio e fundamento perpétuo e visível de unidade” (LG23).

O Bispo da Diocese de Roma, que é o Papa, tem como sua catedral a Basílica de São João de Latrão, a qual, por isso mesmo, é a catedral de todas as catedrais do mundo. O nome de catedral vem-lhe de cátedra e cátedra é a sede fixa do Bispo, na igreja mãe de uma Diocese. É o símbolo da autoridade e doutrina, que o Bispo, como sucessor dos Apóstolos, é chamado a preservar e transmitir à comunidade cristã. No entanto, a Cátedra por excelência, com toda a sua riqueza e simbolismo, encontra-se na Basílica de São Pedro, no Vaticano. Do tempo do Papa Dâmaso I, nascido no século IV, possivelmente em Idanha-a-Velha, hoje território desta nossa Diocese de Portalegre-Castelo Branco, é uma inscrição com data do ano 370, a qual se refere a uma cadeira ou trono, considerada como a Cadeira do Apóstolo Pedro. Dessa cadeira restam algumas partes de madeira, conservadas e honradas, no Altar da Cátedra, num lugar projetado por Bernini, com a forma de uma cadeira de espaldar alto, num trono de bronze decorado com as três passagens do Evangelho que ilustram a missão de Pedro, do Papa: aquela passagem em que Jesus confia a Pedro a missão de apascentar as suas ovelhas (Jo 21, 17), a do lava-pés (Jo 13, 14) e a entrega das chaves do Reino dos Céus (Mt 16, 19). Pedro é o fundamento, a rocha sobre a qual se apoia o edifício da Igreja, tem as chaves do reino dos céus para abrir ou fechar, pode ligar ou desligar, estabelecer ou proibir o que considerar necessário para a vida da Igreja. “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra, será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra, será desligado nos céus” (Mt 16,13-19). Qualquer sociedade ou grupo precisa de ter uma Cabeça visível para se orientar. Como Jesus, a Igreja é humana e divina. Tem em Cristo a sua Cabeça divina, invisível. Tem no Papa a sua Cabeça humana, o chefe visível, a pedra sobre a qual Jesus quis edificar a Sua Igreja: “a Minha Igreja”, a Igreja de Jesus, não existe outra.

Nesta hora de fragilidade do sucessor de Pedro, rezemos pelo Papa Francisco, ‘para que o mistério da cruz o fortaleça, o alivie, o reanime e lhe dê esperança’. Associemos também à oração os profissionais de saúde e quantos lhe dá apoio neste momento.

Antonino Dias

Portalegre-Castelo Branco, 21-02-2025.

 

 

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