Maria, a Mãe do Menino Deus, humilde serva do Senhor, que tudo meditava no seu coração, está ali com o seu marido, de olhos postos no Menino, em silêncios de intuição e sabedoria, de paz e de serenidade interior, está ali a “oferecer aos homens a vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação, da alegria sobre o tédio, da vida sobre a morte” (MC 57).
Nas grandes festas do Antigo Testamento, os sacerdotes pronunciavam sobre o povo uma solene bênção, cujo texto ouvimos na primeira leitura. A cada uma das três invocações acrescentavam dois pedidos: o Senhor te abençoe e proteja; o Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável; o Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz. Nesta Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus e primeiro dia do ano civil em que celebramos também o Dia Mundial da Paz, a 1ª leitura apresenta-nos esse texto da bênção. Quando, porém, chegou a plenitude dos tempos, Deus, fonte e origem de todas as bênçãos, enviou-nos o seu Filho e, por Ele, cumulou-nos de todas as bênçãos, concedeu-nos a filiação divina, libertou-nos de todas as escravidões e enviou-nos o Espírito Santo tornando-nos herdeiros dos bens do Pai, como refere S. Paulo na 2ª Leitura. Também nós, hoje e aqui, pedimos ao Senhor fonte e origem de tidas as bênçãos, que abençoe este novo ano que começa, nos proteja, nos conceda o dom da paz e nos torne seus construtores de coração humilde e renovado.
E que cada um de nós, como os pastores, procure encontrar-se com o Filho de Deus, caminho, verdade e vida. Diz-nos o Evangelho, que uns Pastores chegaram a Belém, junto do presépio. Chegaram apressadamente e encontraram Maria e José com o Menino deitado na manjedoura. Não veem nada de extraordinário, não fazem perguntas, mas reconhecem o Salvador que Deus enviou ao mundo e ficam ali, ao lado de Maria e José, a contar tudo quanto lhes tinham dito acerca daquele menino e a observar, extasiados, contemplando em silêncio, naquela simplicidade tão majestosa, a obra maravilhosa que Deus operava em favor dos homens…. E logo correm a anunciar a outros a sua alegria, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto.
Maria, a Mãe do Menino Deus, humilde serva do Senhor, que tudo meditava no seu coração, está ali com o seu marido, de olhos postos no Menino, em silêncios de intuição e sabedoria, de paz e de serenidade interior, está ali a “oferecer aos homens a vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação, da alegria sobre o tédio, da vida sobre a morte” (MC 57).
Por iniciativa do Papa Paulo VI, foi instituída, em 1967, a celebração do Dia Mundial da Paz. A tradição foi mantida por João Paulo II e, agora, por Bento XVI. Hoje celebramos o 46º Dia Mundial da Paz sob o tema “Bem-aventurados os obreiros da paz”. Jesus Cristo, único mediador entre Deus e os homens, foi anunciado pelos profetas como “o Príncipe da Paz”. Aquando do seu nascimento, os Anjos louvaram a Deus dizendo: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. A sua paz – uma paz distinta daquela que o mundo dá – foi a herança que nos deixou: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz”. A paz, porém, continua a ser uma espécie de miragem. Não existe. Falta no interior de muitas pessoas, de muitas famílias, de instituições e dos próprios Estados. Há tráfego de seres humanos, há guerra, terrorismo, violência de muitas e variadas cores, massacres, falta de respeito pela vida como o aborto, uma espécie de guerra silenciosa, desigual e terrivelmente violenta.
No entanto, fala-se muito de paz. Quase não há discurso que se preze ou debate que se provoque, que não deixe saltar, aqui ou a ali, mesmo por entre uns mísseis camufladamente apontados, umas frases politicamente corretas em nome do progresso e da paz social. Entrou na rotina. Em muitos palcos e areópagos, porém, soa a vazio e até incomoda pela forma e modos de uma linguagem agressiva, sem conteúdo nem sentimentos… E tantas vezes deixam revelar interesses pessoais ou de grupo: verdadeiros desafios de guerra ou apelos à paz podre de egoísmos instalados que humilham e ofendem terceiros…
Lembro o que afirmava João Paulo II: “O simples facto de a nomear [paz] com tanta frequência e por toda a parte, provoca talvez já uma sensação de saturação, de aborrecimento e, porventura, mesmo o receio de que isto esconda sob a fascinação da palavra, uma ilusória magia, um nominalismo apenas retórico e já gasto pelo abuso, e até mesmo um encantamento perigoso”[1].
Além disso, existem ainda aqueles que pensam que aquilo que “no fundo compromete a solidez da paz e o desenrolar-se da história em seu favor, é a convicção secreta e céptica de que ela é praticamente impossível; não passa de um sonho poético; de uma utopia falaz. Deseja fazer-se crer que aquilo que conta e vale é a força e a repressão. Mas a repressão não é a paz. A violência não é a paz. A acomodação puramente exterior não é a paz. A paz verdadeira deve estar fundada sobre o sentido da inviolável dignidade da pessoa humana, da qual dimanam intocáveis direitos e respectivos deveres”[2].
É esta paz que se tornou o ideal da humanidade; se tornou necessária, obrigatória e vantajosa. Não é uma ideia ilógica e fixa. Não é uma obsessão ou uma ilusão. É uma certeza; é uma esperança que tem por si o futuro da civilização, o destino do mundo”.
Mas então por que não existe a paz? Porque o homem se adia, não se renova, não se converte, não reconhece o outro como irmão… “As causas profundas da injustiça, da violência e da guerra estão no coração do homem … no coração de cada indivíduo, de cada um de nós, nas formas quotidianas de pensar e de agir”[3](..). “É o homem que mata e não a espada ou, nos dias de hoje, os seus mísseis. O coração, no sentido bíblico, é a estrutura profunda da pessoa humana, nas suas relações com o bem, com os outros e com Deus. Não se trata prevalentemente da sua afetividade, mas sim da sua consciência, das suas convicções, do sistema de pensamento ao qual se sente ligado e, ainda, das paixões, que o homem se torna sensível aos valores absolutos do bem, à justiça, à fraternidade e à paz”[4].
“Existe uma lógica moral que ilumina a existência humana e torna possível o diálogo entre os homens e os povos”[5]. Há uma “gramática transcendente, ou seja, um conjunto de regras da acção individual e do recíproco relacionamento entre as pessoas de acordo com a justiça e a solidariedade, que está inscrita nas consciências, nas quais se reflecte o sábio projecto de Deus”[6].
Bento XVI, na sua mensagem para este dia refere que as inúmeras obras de paz, de que é rico o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Ela corresponde ao dever-direito de um desenvolvimento integral, social e comunitário; pressupõe um humanismo aberto à transcendência; uma ética de comunhão e partilha, e depende sobretudo do reconhecimento de que somos, em Deus, uma única família humana. Ela não é um sonho, nem uma utopia; a paz é possível. A incarnação do verbo é garante disso mesmo.
Enumera o Santo Padre uma série de temas relacionados com o dom da vida, a família, os sistemas económicos e de desenvolvimento, a liberdade e a objeção de consciência, o trabalho e a justiça, uma válida educação social e outros temas a que é preciso prestar especial atenção para que a paz seja possível.
Concluindo, afirma que há necessidade de propor e promover uma pedagogia da paz e do perdão, com uma vida interior rica, com referências morais claras e válidas, com atitudes e estilos de vida adequados, ensinando os homens a amarem-se e educarem-se para a paz, a viverem mais de benevolência que de mera tolerância. É um trabalho lento, que supõe uma evolução espiritual, uma educação para os valores mais altos, uma visão nova da história humana.
“Bem-aventurados os obreiros da paz”. Peçamos ao Senhor que faça de nós instrumentos da sua paz, a fim de levarmos o seu amor onde há ódio, o seu perdão onde há ofensa, a verdadeira fé onde há dúvida.
E que nossa Senhora Mãe de Deus, Rainha da paz e primeira discípula de seu Filho Jesus, interceda pela humanidade para que Deus ilumine os responsáveis dos povos para que garantam e defendam o dom precioso da paz e que as nossas famílias encontrem a força capaz de promover e viver o dom da paz na verdadeira pedagogia do amor e do perdão.
[1] João Paulo II, A Paz também depende de ti, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1974.
[2] João Paulo II, A Paz também depende de ti, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1974
[3] João Paulo II, A Paz e os Jovens caminham juntos, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1985
[4] João Paulo II, De um coração novo nasce a paz, Mensagem para o dia Mundial da Paz, 1984
[5] João Paulo II, Discurso na ONU em 5 de Outubro de 1995, citado na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de Bento XVI, 2007, nº 4
[6] Bento XVI, idem, nº3