Portalegre.
“Jesus chamou os que quis e eles foram” (Mc 3, 13)
A convivência com Jesus é a experiência primeira e fundamental da fé cristã e de todas as vocações na Igreja. Uma experiência tão simples quanto natural e tão exigente quanto mais autêntica se pretenda.
Não há convivência sem escuta. Quando não se escuta corre-se o risco de ficar mudo. O “Falai, Senhor” supõe muita escuta. É assim que também não há convivência sem reciprocidade e sem gratuidade. Como não existe convivência sem generosidade, sem encontro e sem surpresa, sem caminho partilhado ou sem gratidão, sem hospitalidade e cumplicidade, sem valores e sem projecto. É! O que pareceria não passar de uma experiência meramente humana é o horizonte onde Deus toca a humanidade, Se deixa tocar pela mesma humanidade e assim Se revela. E aqui não há anos e décadas que façam de Jesus uma antiqualha irrelevante. A universalidade da sua Pessoa, Mistério e projecto, a interioridade da sua verdade, a possibilidade existencial da sua Palavra e gestos, focalizam o que a sua Ressurreição havia mostrado: Jesus Cristo é contemporâneo a toda a história da humanidade.
Com o tema «Jesus chamou os que queria e foram ter com Ele» (Mc. 3,13) a Igreja celebra, este ano entre 1 e 8 de Novembro, a Semana dos Seminários que pretende sensibilizar toda a Comunidade cristã para a experiência formativa dos que Jesus um dia chamou a serem padres.
Na nossa Diocese existem hoje três Seminaristas: no Tempo Propedêutico, o Charle Neto; no 1º de seis anos de Teologia, o Gonçalo Gomes, e no 3º ano o Diogo Fernandes. Todos entraram no Seminário já depois do 12ºano. O Gonçalo já tinha concluído a Licenciatura em Engenharia Agrónoma e o Diogo estava no Ensino Superior na área da informática e comunicação. Esta etapa é realizada nos Seminários da Diocese de Lisboa onde estão também Seminaristas de várias Dioceses do Continente e Ilhas. O Charle está no Seminário de S. José num tempo mais dedicado ao discernimento, enquanto o Gonçalo e o Diogo estão no Seminário dos Olivais e frequentam a Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa.
Esta ‘semana dos Seminários’ é uma ocasião para nos dedicarmos mais à oração pelos Seminários, pelos Seminaristas e pelas vocações ao Sacerdócio. E é também uma ocasião para reflectir o Seminário e o clarificar na sua situação e missão.
O Seminário, dizia-o S. João Paulo II, é uma comunidade reunida à imagem da comunidade que Jesus formava com os Apóstolos. Foi nessa convivência com o Mestre que eles aprenderam a escutar a Palavra, a rezar, a serem simples e autênticos; foi nessa convivência com o Mestre que eles interiorizaram a grandeza simples dos gestos de Jesus; foi a partir dessa convivência que eles acolheram o dom do Espírito que logo os colocou em missão com confiança, ousadia, entusiasmo e ‘imitando’ o Mestre.
Num tempo, como o nosso, em que a vida parece não se decidir já por vocação, a referência aos Seminários na Comunidade cristã quase parece, cada vez mais, residual. Desejam-se padres mas, muito, “à la carte” e, às vezes, “impondo-lhes” um estilo “bibelot” para baptizados, casamentos, funerais e outros acompanhamentos, criando propostas paralelas ou alternativas ao esforço genuíno dos próprios e à caminhada formativa, tocando a duplicidade que acabará por esgotar (esvaziar) os próprios intervenientes. É um dos paradoxos da vida da Igreja: muitas Comunidades olham para vocação como uma espécie de “destino” fechado, pré-traçado, e esquecem a vocação como um chamamento de Deus que toca a pessoa para, numa liberdade esclarecida, responder Àquele que a torna mais viva e mais autêntica. Vocação cristã e vocação humana não se excluem, antes pelo contrário. A conversão a Cristo e o baptismo inauguram a primeira, mas é também sobre a segunda que acontece todo o chamamento a ser-se cristão. Para ser padre nunca dispensaríamos a primeira; mas também não podemos dispensar nunca a segunda sob o risco de fazer da vida uma abstracção.
Deus fala pela sua Palavra, pelo ensinamento e vida da Igreja e da Comunidade, pelos Sacramentos, pelos sinais com que cada situação nos faz deparar, pela vida. E nós, na nossa liberdade sempre interpretativa, havemos de O escutar na oração, na reflexão, na liturgia, na releitura da vida, nos acontecimentos quotidianos, no temor e no entusiasmo, nas alegrias que perduram.
A pessoa que somos aprende-se devagar. E é por isso que o Seminário é um processo, uma caminhada a partir da existência de cada um que implica discernimento espiritual, percepção dos lugares da vida, decisões e compromissos. Chamando a Si os que quer, Cristo Jesus oferece aos que O seguem a possibilidade de, por convivência, crescerem à sua estatura, a estatura de Cristo.
Às vezes, diz Francesco Consentino num texto recente citando Erasmo de Roterdão, “O homem não gosta da mudança, porque mudar significa olhar com sinceridade o fundo da própria alma, colocar-se em confronto consigo mesmo. É preciso ser corajoso para ter grandes ideais. A maioria dos homens prefere aquecer-se na mediocridade, fazer do tempo o lago de sua existência ”.
Quem entra num Seminário está, por isso, disposto a esta caminhada pautada pela convivência com Cristo e a Igreja através da Comunidade em que se insere. Não está em causa uma santidade medida em polegadas, a construção do eclesiástico de sucesso, o eficaz animador de multidões, o líder de opiniões, a estrela mediática de quem se arrancam sempre palavras a baixíssimo custo. Está em causa sim, na convivência com Cristo Jesus, a formação e amadurecimento do coração pela referência à verdade, à justiça, pela reciprocidade e gratuidade, generosidade e encontro, abertura à surpresa da vida e caminho partilhado com gratidão; está em causa a hospitalidade e a cumplicidade feliz e aberta, os valores e o projecto. Está em causa o acontecimento e amadurecimento da fé que suporta um projecto global de vida.
Distrair-se do chamamento seria como distrair-se da liberdade; distrair-se d’Aquele que chamou seria como perder a memória e preguiçar na hesitação; distrair-se do projecto e da Comunidade seria como depender afectivamente de aplausos para fazer o que cabe a cada um fazer.
Não se fica com o carimbo “reprovado” estruturalmente colocado no Cartão de Cidadão nas etapas existenciais falhadas, mas corre-se o risco de errar o alvo da vida e de ficar “impreparado” para o que vem a seguir. E isso atrasa a caminhada. É nesse sentido que o Seminário tem tempos, processos e objectivos que dizem a cada Seminarista que, para ser Padre como Cristo o chamou a ser, tem de o querer verdadeiramente. Se não houvesse objectivos … para onde caminha!?
«Jesus chamou os que queria e foram ter com Ele» (Mc. 3,13). No termo da experiência do Seminário a ordenação de padre é possível se cada um dos que Jesus chamou fez caminho e guarda, dos dons de Deus, uma memória agradecida que é fonte de disponibilidade para Deus e para o seu Povo.